A região Sul da cidade de São Paulo 2007 e 2019

Quem mora em São Paulo já ouviu falar que o Jardim Ângela já foi o bairro mais perigoso do mundo, recebendo essa classificação pela ONU nos anos 90 devido os altos índices de homicídio que apresentava na época. O Jardim Ângela fica na Zona Sul de São Paulo.

Também na Zona Sul de São Paulo ficam localizados famosos pontos turísticos como o Parque do Ibirapuera e o Museu do Ipiranga, e bairros nobres como Moema e Morumbi.

Muito provavelmente você já viu a foto abaixo em alguma reportagem, site ou revista. Ela também foi tirada na Zona Sul de São Paulo e representa de forma bastante emblemática a gritante desigualdade presente na Zona Sul da capital paulista.

A disparidade visível nesta foto é perceptível em dados concretos veiculados em uma reportagem de anos atrás, mas ainda atual, sobre os quais falamos rapidamente em post anterior do nosso blog. O texto aponta que, enquanto um morador é assassinado em Moema (uma das áreas mais nobres da cidade), 130 pessoas são mortas no Grajaú, um dos distritos mais pobres de São Paulo.

Se compararmos a distribuição de mortes violentas ocorridas em toda a capital, o contraste ainda é mais visível: de cada 15 vítimas de assassinato em São Paulo, uma é moradora do Grajaú. Em Moema, essa proporção é de uma vítima a cada 2.115 assassinados na cidade.

Os 914 moradores assassinados do Grajaú em 2007 representam 6% de todas as mortes violentas ocorridas na capital – o que representa 3,3% da população do bairro. O perfil dos mortos no Grajaú e em Moema também mostra os opostos entre as duas regiões. Entre os 914 moradores mortos no Grajaú, 183 tinham até 19 anos. Em Moema, nenhum morador foi vítima de violência fazia parte desta faixa etária.

 

Mapa da Desigualdade de São Paulo

Criado em 2012 pela Rede Nossa São Paulo, o Mapa da Desigualdade é um estudo elaborado e divulgado anualmente que apresenta indicadores dos 96 distritos da capital paulista, compara os dados e revela a distância socioeconômica entre os moradores das regiões com os melhores e piores indicadores.

Por meio da comparação dos dados trazidos pelo mapa, é possível verificar os locais mais desprovidos de serviços e equipamentos públicos, gerando informações que podem auxiliar os gestores municipais a identificar prioridades, assim como outros agentes a criar ações para o desenvolvimento comunitário local.

Cinco anos depois da fatídica reportagem da Folha de S. Paulo, a edição de 2013 do Mapa da Desigualdade classificou o bairro do Grajaú como o pior local para se viver na capital. Dos 55 critérios analisados pelo levantamento, o bairro registrou 32 indicadores classificados como ruins.

Em 2019, a edição do Mapa da Desigualdade, aponta algumas melhorias em determinados índices nas região sul da cidade de São Paulo, mas a disparidade na diferença da expectativa de vida entre bairros da região ainda é gritante: uma pessoa que nasce em Moema tem, em média, expectativa de vida de 80,57 anos; em Marsilac, 57,51, no Grajaú 58,64 e no Jardim Ângela 58,93. A grosso modo pode-se dizer que alguém que nasce em Moema, provavelmente vai viver 22 anos mais que em qualquer um destes distritos.

A região mostrou deficiências no quesito educação, principalmente no número de livros disponíveis em bibliotecas e pontos de leitura. No geral, há 0,03 obras infanto-juvenis por habitante e 0,01 títulos destinados aos adultos. Já falta de atividades culturais se mostrou um problema em diversos distritos da capital.

Contrastando com essa realidade o nobre e tradicional bairro Vila Mariana, também localizado na zona sul paulistana, apresenta um cenário diferente. Com uma enorme gama de atrativos, ele conta com a presença de espaços como a Casa Modernista, Sesc Vila Mariana, Teatro Novo e Cinemateca Brasileira e diversos outros endereços culturais e de lazer. Além disso, o bairro possui ainda diversas opções de bares e restaurantes. A qualidade de vida no bairro faz com que ele atraia cada vez mais novos moradores e altos investimentos, deixando evidente as diferenças sociais e econômicas dentro de uma única região.

Para apoiar o desenvolvimento comunitário local nas regiões que são apontadas com menor frequência de atividades culturais, a Fundação ABH, juntamente com seus parceiros,  apoia diversos projetos em 2020 que promovem o acesso e o interesse pela cultura como o Coletivo Fora de Frequência, Batuquedum, AquilombArte, TrouPé na Rua, Cia de Artes Decálogo JALC e o Felicinema, como pode ser visto no resultado dos selecionados pelo EDITAL 2020 – aTUAção PerifaSul.

 

A Desigualdade no Acesso ao Emprego

A desigualdade vai além do acesso à cultura e a educação. De acordo com dados do projeto Acesso a Oportunidades publicados em 2020, São Paulo é a cidade mais desigual do país quando o assunto é o acesso a emprego. Na capital paulista, os 10% mais ricos têm nove vezes mais empregos disponíveis a uma distância de 30 minutos de caminhada de onde moram que os 40% mais pobres.

Segundo a pesquisa, a desigualdade paulistana decorre da distribuição socioespacial de renda, de oportunidades e a dimensão da cidade. Com os mais pobres concentrados em regiões distantes das principais zonas de empregos e os ricos mais próximos dos centros, a desigualdade no acesso às oportunidades só tende a crescer.

A violência e a degradação urbana são as manifestações mais visíveis da segregação socioambiental que, além de agravar o distanciamento entre as classes sociais, promove uma espécie de confinamento dos pobres acentuando a percepção da vulnerabilidade. A violência está relacionada à condição de vulnerabilidade social dado o mecanismo de exclusão que tende a concentrar e distanciar a pobreza do sistema social enquanto impede o seu acesso a recursos materiais fundamentais.

A segregação socioespacial observada na periferia da Zona Sul de São Paulo gera diferentes consequências negativas, entre elas o menor acesso a serviços essenciais, maior exposição a riscos de saúde, maior propensão à violência e menores chances de mobilidade social.

A resolução dos conflitos socioambientais e melhoria das condições de qualidade de vida da população são elementos imprescindíveis para o verdadeiro processo de desenvolvimento, capaz de transcender o mero crescimento urbano.

Há uma plataforma muito interessante chamada #Quanto custa morar longe. Ela possibilita conhecer e comparar os custos monetários e não monetários associados a cada área da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Elaborada pelo Instituto Escolha, a plataforma permite que o usuário cruze informações sobre preço da terra (R$/m2) na cidade, qualidade da educação (IDEB), violência (probabilidade de ocorrência de homicídios) e tempo médio de deslocamento por motivo de trabalho para determinado endereço da metrópole. Dizer que alguém “mora longe” é multidimensional. A pergunta que a plataforma traz é: quanto custa morar longe da área central da Região Metropolitana de São Paulo?

Dados Atuais Sobre a Periferia Sul de São Paulo

Expectativa de Vida e Taxas de Mortalidade Infantil

A desigualdade entre os distritos localizados na Zona Sul de São Paulo afeta a expectativa de vida de seus moradores. A população do Grajaú, por exemplo, vive em média 22 anos menos que os moradores das demais regiões de São Paulo. Isso reforça a necessidade da presença de projetos voltados ao desenvolvimento comunitário local nessas áreas para a consequente melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.

Também chamada de esperança de vida ao nascer, a expectativa de vida consiste na estimativa do número de anos que se espera que um indivíduo possa viver. Esse dado é muito importante, visto que é um dos critérios utilizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para se calcular o Índice de Desenvolvimento Humano de um determinado lugar.

O Mapa da Desigualdade 2019 mostra a diferença espantosa da expectativa de vida entre dois distritos de São Paulo, localizados na Zona Sul. No ano de 2018, a expectativa de vida em Moema era de 81 anos, enquanto no Grajaú este número era de 59 anos.

Trazendo o debate para o contexto da pandemia que atravessamos atualmente, as diferenças sócio-territoriais na capital paulista são ainda mais gritantes. De acordo com a Edição Extraordinária do Mapa da Desigualdade, os dois distritos com maior idade média ao morrer registram número baixo de óbitos por Covid-19: Moema (81 anos) e Jardim Paulista (80 anos), com 130 dos falecimentos. Enquanto isso, dos três distritos com menor idade média ao morrer, dois mantêm número alto de falecimentos pela doença, Grajaú (59 anos) e Cidade Tiradentes (57 anos), com 460 mortes — isso significa 3,5 vezes mais óbitos que os dois distritos com maior idade média ao morrer.

Quando falamos do acesso ao atendimento médico (SUS), vemos que no Jardim Ângela um morador espera em média 32 horas tendo apenas 0,57 leitos de hospitais disponíveis, enquanto no Morumbi a espera em média é de 4 horas com 14,54 leitos disponíveis.

Outros fatores também exercem influência direta na expectativa de vida da população, um deles é o índice de violência contra a mulher. Apesar do Brasil ter uma série de leis voltadas para a violência contra a mulher, como a Lei Maria da Penha de 2005, a Lei do Feminicídio de 2015 e a Lei de Importunação Sexual de 2018, em 2018 um levantamento baseado na Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, Seade e IBGE, mostrou que a  cada 10 mil mulheres que sofrem violência entre  20 a 59 anos, 206 ocorrências foram registrados no Grajaú, enquanto na Vila Andrade foram 102 ocorrências, ambos distritos na zona sul de São Paulo.

O Coletivo Feminismo Comunitário localizado na comunidade do Real Parque, na zona sul da cidade, próximo ao bairro do Morumbi, foi apoiado pela Fundação ABH, Fundação Alphaville, Instituto Jatobás e Macambira Sociocultural no EDITAL 2020 – aTUAção PerifaSul e é justamente voltado para o fortalecimento das mulheres periféricas que sofrem com a violência doméstica.

Outros dados que assustam são os dados sobre mortalidade infantil na região do extremo sul da cidade. Em Marsilac (zona sul), o índice é cerca de 23 vezes maior do que no bairro de Perdizes (na zona Oeste da capital). Este dado, assim como os diversos outros apresentados ao longo deste post, justificam a escolha da Fundação ABH em trabalhar com desenvolvimento comunitário local com foco na região Sul da cidade de São Paulo.

Essas altas taxas de mortalidade infantil são reflexos de baixos níveis de saúde, desenvolvimento socioeconômico e condições de vida. A proporção de óbitos de crianças menores de um ano para cada mil crianças nascidas vivas de mães residentes no distrito da zona sul é assustador. Enquanto a taxa média de óbitos no bairro de Moema é 3,53, em Marsilac ela chega a 24,59.  Os dados, obtidos no Mapa da Desigualdade 2019, mostram que as desigualdades estão presentes antes mesmo do nascimento das crianças. O percentual de filhos de mães adolescentes varia mais de 53 vezes, entre Moema (0,35%) e Marsilac (18,85%). No Jardim Ângela, este valor é de 14,15%; no Campo Limpo, 10,43%.

O Projeto Aquilombarte também apoiado pelo edital deste ano, minimiza a carência dos índices de precariedades territoriais apontados no mapa da desigualdade articulando esporte, cultura e informação no atendimento à comunidade do Jd. Ângela e entorno. Dentre suas atividades, o projeto oferece oficinas circulantes de palestras e trocas de ideias sobre saúde e bem viver e prevenção à vida da mulher.

 

Acesso à Educação e ao Mercado de Trabalho

Sabemos que educação sempre foi vista como um caminho a ser seguido para a evolução humana. Ela é a base para a construção de uma vida social saudável e digna.

É por meio da educação que se desenvolve o comportamento das pessoas, da relação destas com o meio ambiente social em que se vive. É por meio dela, também, que se aprende o que é respeito e a formar a personalidade do indivíduo.

Uma pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) divulgada em janeiro deste ano, mostrou que a Zona Sul da capital paulista concentra o maior percentual de população com o ensino fundamental incompleto, 41,4%. O índice de pessoas com ensino superior nessa parte da cidade é 10%. Na média, a cidade tem 34,1% de pessoas com ensino fundamental incompleto e 15,3% com ensino superior.

O SEADE também apontou que a Zona Sul da cidade era a região que concentrava o maior índice de desemprego na capital, tendo os índices baixos de escolarização e desenvolvimento local da região sul da cidade como alguns dos principais fatores motivadores deste cenário.

A taxa de emprego formal também é afetada: em um levantamento realizado em 2017, feito entre a população de idade ativa igual ou superior a 15 anos, Moema se destacou como uma taxa de emprego formal de 9,4 para cada 10 habitantes, enquanto no Grajaú a taxa foi de apenas 0,6.

Dados da pesquisa “Viver em São Paulo: Trabalho e Renda”, revelam que 48% da população da zona sul não encontraram nenhuma oportunidade de trabalho na região em 2018 — um aumento de cinco pontos percentuais comparado ao ano anterior. Segundo a pesquisa, no último ano o desemprego tem atingido mais os homens nas periferias: atualmente 56% deles estão sem alguma ocupação. Em 2017 este número chegava a 42%, contra 58% de mulheres desempregadas.

Para tentar apoiar muitas pessoas no desafio que é equilibrar o escasso recurso que é o dinheiro, em um ambiente no qual o acesso ao emprego é dificultado, o Projeto Economia Financeira participante da fase um do Edital de 2020 – aTUAção PerifaSul, visa orientar adolescentes e suas famílias sobre como gerir, organizar e otimizar seus recursos. O projeto é mais um exemplo de desenvolvimento comunitário local e por meio de palestras e dinâmicas de grupo, são dados exemplos práticos e são apresentados e debatidos o entendimento sobre orientação financeira e econômica.

Outro exemplo é o projeto Trançamor, que desenvolve oficinas e aulas de trança penteados afro periféricos e barbearia visando valorizar cultura negra e melhorar a auto estima principalmente de mulheres negras, além de oferecer um ofício para moradores das comunidades.

Todos os dados apresentados ao longo deste post sobre as desigualdades que marcam a Zona Sul da cidade de São Paulo são fundamentais para entender o contexto dos grandes centros urbanos e dos problemas sociais, econômicos e ambientais que afetam diretamente essas populações.

É através destes dados que nós, agentes de transformação, conseguimos traçar novos caminhos em busca da mudança destes cenários. Continue acompanhando nossos conteúdos e fique por dentro das pesquisas e projetos sobre desenvolvimento comunitário local e sobre as ações da Fundação ABH em São Paulo. Até o próximo post!