Os termos “vida digna” e “bem-estar” têm sido cada vez mais usados em diversos contextos. É importante, portanto, trazê-los ao campo do desenvolvimento e impacto social para que se possa compreender realmente o que eles significam dentro destas áreas.

Antes de explicar com mais detalhes os conceitos de vida digna e bem-estar, é fundamental reforçar que, mais do que conceitos, esses termos representam direitos fundamentais de todo e qualquer cidadão, sem distinção de nenhuma esfera, e englobam temáticas estabelecidas como prioritárias por atores locais da periferia sul de São Paulo no PerifaSul 2050

Neste texto, explicaremos o que são os direitos humanos, o que é vida digna e bem-estar no contexto da periferia sul de São Paulo e os reflexos disso no desenvolvimento comunitário local.

 

O que é vida digna?

Primeiramente, para entender o que é vida digna, é necessário entender o que é o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, determinado pela Constituição Federal do no seu 1º artigo inciso III.

A dignidade não está inserida no rol dos direitos e garantias fundamentais, mas sim como um princípio. Então, dizer que existe o direito à dignidade não está correto. O correto seria dizer que as pessoas têm direito à proteção, ao reconhecimento, ao respeito, à promoção e ao desenvolvimento da dignidade, incluindo até o direito a uma existência digna.

Como princípio fundamental, a dignidade é o valor-guia, o princípio-chave no campo do direito.

 

O que é bem-estar?

O conceito de bem-estar é um conjunto de ações e práticas concretas que possibilitam que as pessoas tenham conforto, segurança, tranquilidade e satisfação. Basicamente ele pode se apresentar em quatro esferas:

O IRBEM – Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município, é um índice que abrange um conjunto de indicadores que apresentam as condições e os modos de vida dos cidadãos paulistanos. Parte da medição está relacionada à satisfação geral com áreas relacionadas à qualidade de vida em São Paulo.

Segundo a última edição do IRBEM, de 2017, o aspecto/item com maior nível de satisfação de toda a amostra (que contempla toda a cidade de São Paulo) é a Saúde, na qual são destacadas as campanhas de vacinação. Já o aspecto/item com pior desempenho é a transparência e participação política – especificamente o tópico relacionado à punição à corrupção.

O IRBEM de cada região de São Paulo pode ser verificado na tabela abaixo e no relatório completo disponível neste link.

 

Direitos humanos e vida digna

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam ou propagam, os direitos humanos não representam uma entidade, tão pouco privilegiam determinados grupos da sociedade em detrimento de outros. Eles são uma ferramenta que protege todo e qualquer cidadão do mundo garantindo direitos naturais básicos e inerentes à nossa existência enquanto seres humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU) entre 1946 e 1948 no contexto da Segunda Guerra Mundial, marcada por eventos, como o holocausto e as bombas atômicas que explodiram as cidades japonesas Iroshima e Nagasaki.

Mais de 30 anos depois, o jurista Karel Vasak criou a classificação de ‘gerações de direitos’ com base nos princípios da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) com o objetivo de organizar os direitos em categorias de acordo com o contexto histórico em que surgiram.

A primeira geração (liberdade) está associada ao final do século XVIII, especificamente à independência dos Estados Unidos e à revolução francesa, e corresponde à liberdade individual com foco nos direitos civis e políticos.

A segunda geração (igualdade) surge no contexto da Primeira Guerra Mundial e é quando surge a necessidade de o Estado garantir direitos de oportunidade iguais para todos os cidadãos através de políticas públicas, como saúde, educação, habitação, trabalho, lazer, etc.

Já a terceira geração (fraternidade) tem relação com solidariedade e corresponde aos direitos difusos, cujo número de titulares e beneficiários não se pode  determinar, e com os direitos coletivos, cujo número de titulares é possível mensurar e estes possuem uma condição em comum.

Dentro do contexto da periferia sul de São Paulo e, claro, das milhares de outras espalhadas pelo país, a segunda geração, igualdade, é a mais forte quando se fala na oportunidade de se ter uma vida digna. 

Ao longo do texto, vamos pontuar alguns direitos básicos de todos, mas que não são realidade para muitos brasileiros, e conhecer algumas iniciativas que trabalham diariamente para transformar essa realidade e promover o desenvolvimento comunitário local.

 

Contexto que impacta o alcance da vida digna e bem-estar na periferia sul de São Paulo

No trabalho realizado pela Fundação ABH em conjunto com atores locais no PerifaSul 2050, mapeamos quais são as principais questões relacionadas à vida digna e ao bem-estar que eles acreditam ser prioridade de investimento social e desenvolvimento de projetos até o ano de 2050. 

A seguir, você confere alguns dados recentes sobre as temáticas identificadas e iniciativas que atuam na região para tentar minimizar os impactos das questões expostas aqui. 

Moradia

O déficit habitacional da cidade de São Paulo chega a marca de 1,8 milhão de domicílios, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Estima-se que sejam necessárias 474 mil moradias populares para dar conta desse problema. 

Do outro lado, estão as pessoas que moram em condições precárias. Nos cortiços e mais de 1.700 favelas espalhadas pela capital paulista existem cerca de 391 mil domicílios em espaços precários, ou seja, pelo 2 milhões de pessoas – ou 11% da população – vivem em moradias impróprias. 

Em bairros da periferia sul de São Paulo como Campo Limpo, Jardim Ângela e Jardim São Luís, a proporção de domicílios em favelas em relação ao total de domicílios por distrito na cidade pode chegar a 69,5%. Esses são dados do Mapa da Desigualdade de 2020.

A equipe do Desenrola e não me Enrola publicou uma reportagem interessante sobre a questão do saneamento básico (que você pode ler, clicando aqui). Um dos dados que eles trazem na reportagem é de que, segundo o SNIS/2018, 9,6% da população da cidade de São Paulo ainda não tem acesso ao tratamento de esgoto.

Como já abordamos no post Desigualdade Ambiental em São Paulo: impactos na região Sul da cidade, as questões relacionadas às ocupações irregulares na região também preocupam e têm alta correlação com os problemas de saneamento básico. Tais condições, além de gerarem uma grande insegurança física dos moradores, também colabora com a degradação da saúde.

Iniciativa que atua na periferia sul com melhoria da qualidade das moradias

Hoje há algumas organizações que já atuam com a temática, como por exemplo o Programa Vivenda, localizado no Jd. São Luis, zona sul de São Paulo. A organização existe para que todo mundo possa morar bem e viver dignamente. Viver dignamente significa ter conforto, segurança e ter orgulho de seu lar. O Vivenda vem transformando drasticamente a realidade de várias comunidades vulneráveis por meio de melhorias habitacionais. Você pode ler mais sobre esta organização aqui no nosso site.

O Vivenda utiliza de parcerias com diversos fundos de investimento de impacto para fornecer o capital necessário a fim de financiar mais de duas mil reformas de maneira sustentável em várias regiões de São Paulo. Com isso, a organização já atendeu mais de seis mil clientes, criando muitos empregos diretos e indiretos e proporcionando habitações e vida digna para milhares de pessoas.

Além do Vivenda, é importante destacar a contribuição de outras iniciativas que atuam em outras regiões como: Moradigna, um negócio de impacto social em habitação que oferece serviços de reforma expressa para famílias de classe socioeconômica C e D; Arquitetas sem Fronteiras, Teto e muitos outras outras que trabalham para promover melhorias em moradias para que os brasileiros possam viver condignamente. 

Meio Ambiente

A região sul de São Paulo ainda é uma das mais arborizadas da cidade, mas isso infelizmente está mudando (este tema foi abordado em nosso post sobre Desigualdade Ambiental em São Paulo). As APAs e as APPs estão sendo degradadas e por consequência, as nascentes de água estão sendo contaminadas.

Entre os temas relacionados ao meio ambiente, destacamos o excesso de lixo espalhado nas ruas e a proliferação de ratos. Na subprefeitura de Parelheiros, por exemplo, apenas 0,8% do lixo vai para coleta seletiva de maneira institucional (dados do Mapa da Desigualdade). Há poucos ecopontos na região sul como um todo, pouca divulgação de suas localizações e os que estão disponíveis atualmente são muito pequenos para comportar toda a demanda da comunidade.

O saneamento básico também é um problema sério, não apenas ambiental, mas de saúde, que afeta milhões de brasileiros.  Segundo o estudo ‘As Despesas da Família Brasileira com Água Tratada e Coleta de Esgoto’, do Instituto Trata Brasil, uma em cada três pessoas – ou cerca de 30% da população – não tem saneamento básico no país.

Tal fato pode ter consequências fatais em muitos casos. De acordo com dados do ‘Atlas de Saneamento: Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário’, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 0,9% dos óbitos ocorridos no Brasil entre 2008 e 2009 ocorreram por doenças relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI). Se fizermos um recorte no espectro de doenças infecciosas e parasitárias, o número de mortes causadas pelas DRSAI sobe para 21,7%.

Por outro lado, a agricultura é um dos grandes pontos positivos da maior cidade do país. Em Parelheiros, área rural no extremo sul da capital paulista, existem pelo menos 60 agricultores orgânicos registrados e estima-se que 541 pessoas vivem da roça na região.

Lá também existem aldeias indígenas que, cada vez mais, se dedicam à agricultura. O Centro de Trabalho Indigenista papeou a produção agrícola das aldeias Kalipety, Krukutu, Tape Mirĩ, Tekoa Porã, Tenondé Porã e Yrexakã e já existem mais de 80 roças indígenas que cultivam 190 variedades de produtos.

Iniciativas que atuam em prol do Meio Ambiente na periferia sul de São Paulo

Vamos destacar aqui algumas das muitas iniciativas que buscam desenvolver soluções sustentáveis e ações para proporcionar condições socioambientais dignas para a população periférica.

A Quebrada Orgânica, por exemplo, fica no Jardim Ângela e tem como objetivo reduzir o lixo gerado pelas pessoas. Além disso, aborda novas posturas de consumo e práticas sustentáveis na “quebrada” através da compostagem de resíduos, criação de hortas e ações artístico-culturais que levem o outro a refletir sobre essa temática.

Você pode ler ainda mais sobre eles no nosso post “Meio ambiente é pauta do PerifaSul 2050 e organizações sociais do território”. Lá você confere uma entrevista com o pessoal que empreende o Quebrada Orgânica e a Enjoy Delivery – um delivery de alimentos saudáveis – também na periferia sul de São Paulo.

Podemos citar ainda o Instituto Favela da Paz que, entre seus diversos programas, desenvolve o Favela Sustentável que busca desenvolver e levar tecnologias sustentáveis e de baixo custo, como a biodigestão, para dentro das comunidades.

Já o Megê Design Sustentável se baseia na permacultura, bioconstrução e arte para criar e executar projetos sustentáveis com menor impacto ambiental possível. A Cooperapas também investe na produção de alimentos orgânicos no extremo sul de São Paulo, a Nossa Fazenda desenvolve projetos de horta, permacultura, cozinha saudável e saneamento básico alternativo. O Coletivo Reviveno usa o grafite para recuperar becos da periferia e conscientizar a população acerca dos cuidados que devemos ter com o espaço em que vivemos.

Saúde

Quando tratamos de vida digna e bem-estar há uma demanda clara para pensar a saúde de maneira mais integral, abrangendo tanto a saúde física quanto a mental, na mesma intensidade e importância. Isso incluiria a existência de acessos abundantes também à estruturas de esporte e lazer para todas as idades, aspecto esse que será tratado mais adiante neste texto.

De acordo com o Mapa da Desigualdade 2020, realizado pela Rede Nossa São Paulo, apenas 6 dentre os 96 distritos paulistanos são 100% cobertos por equipes de Estratégia Saúde da Família e por equipes de Atenção Básica do Sistema Único de Saúde. Você pode ler ainda mais no nosso post: O impacto da desigualdade social na população brasileira.

Além disso, 7 em cada 10 paulistanos não possuem plano de saúde, por isso necessitam do SUS para cuidar da saúde. Tal fato reflete nos hospitais lotados e filas imensas de espera para acessar o sistema. A pesquisa mais recente realizada pelo Datafolha e encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)  apontou que 45% dos pacientes entrevistados estavam há mais de seis meses à espera de conseguir marcar uma consulta, exames e até cirurgia. Para 29% dos pacientes a situação era ainda pior, a demora passava dos 12 meses.

O tempo médio (em dias) de espera para consultas na atenção básica no Campo Limpo é 39, em contraste com Cambuci, onde uma pessoa espera em média apenas 5 dias para ser atendida em uma consulta de ginecologia e obstetrícia ou com algum profissional da saúde da família.

Fica claro que isso impacta também na proporção de internações por condições sensíveis à atenção primária em relação ao total de internações por distrito. No Grajaú este número chega a 68,9%, no Jardim Ângela 50,6%, enquanto em outros bairros da zona oeste da cidade como Vila Leopoldina e Lapa não passam de 14,2%.

Iniciativas que já atuam com saúde na periferia sul

O Instituto Projeto Sonhar tem como objetivo auxiliar no desenvolvimento humano por meio da mobilização da sociedade e criação de uma rede de conexões que possibilite a auto percepção e a dos nossos semelhantes. Para isso, trabalha com famílias com crianças expostas a situações de risco pessoal e social, com direitos violados, seja pela família, pela sociedade ou estado e dentre as ações está um programa com foco em cuidar da saúde mental das famílias. A União Akasha é um centro de desenvolvimento humano focado em métodos terapêuticos para diversos transtornos, autoconhecimento, arte e cultura.

Segurança Alimentar

A fome afeta milhões de famílias e no contexto da pandemia as geladeiras e panelas da população ficaram cada vez mais vazias.

Um estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede Penssan) realizado em dezembro de 2020 apontou que metade dos brasileiros – cerca de 55,2% da população – convivem com a insegurança alimentar. Estima-se que pelo menos 116,8 milhões de pessoas não têm comida na mesa de forma permanente. De acordo com os pesquisadores, nunca vivemos um momento tão sério nesse quesito.

Além disso, a pandemia acentuou a insegurança alimentar no país. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil revelou que 19 milhões de brasileiros foram atingidos pela fome durante a pandemia em 2020.

Esse volumoso número de pessoas está entre as 116,8 milhões – equivalente a 55,2% dos domicílios que enfrentaram algum grau de insegurança alimentar no Brasil no último trimestre de 2020.

A pesquisa VigiSAN aponta que, entre 2018 e 2020, o aumento da fome foi de 27,6%. Você pode ler ainda mais sobre eles no nosso post: Pandemia Sem Fome: A insegurança alimentar dos brasileiros em tempos de Covid-19.

Tais dados evidenciam como a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou e intensificou a insegurança alimentar em todo o país.

Iniciativas que já atuam com segurança alimentar na periferia sul

CREN

O CREN é o centro de referência na cidade de São Paulo, que tem uma vasta coleção de reconhecimentos na atenção à criança e ao adolescente com má nutrição primária. Este centro atua com uma visão integral e interdisciplinar, apoiando o protagonismo das famílias e de todos os atores envolvidos. Além de duas unidades de atendimento à população na cidade de São Paulo, sua equipe promove atividades comunitárias e atendimentos nas UBSs nos distritos da Brasilândia, Cidade Tiradentes, Grajaú, Jardim Ângela e Lajeado.

Organicamente Rango

Com o objetivo de erradicar o  “deserto alimentar” que é a Periferia Sul de São Paulo, o pessoal da Agência Solano Trindade fundou a Cozinha Criativa Solano Trindade e hoje desenvolvem o Organicamente Rango, junto com o Armazém Organicamente. O Armazém Organicamente veio para suprir a demanda do direito à alimentação sem veneno na mesa da periferia da zona Sul de São Paulo.

Além desses, destacamos ainda o Quebrada Orgânica, que cria hortas em espaços variados, incentivando a produção compartilhada e o escambo de alimentos, bem como o contato com a terra; a Lu ReciclAlimentos é um projeto focado em reaproveitamento de alimentos, alimentação sem veneno, saudável e sem desperdício. o Capão Cidadão, que cultiva uma horta comunitária que é utilizada para educação ambiental de crianças e adolescentes do Capão Redondo e região. A Nossa Fazenda desenvolve projetos de horta, permacultura e cozinha saudável. O TrançAmor faz marmitas para distribuir para pessoas em situação e vende para a população em geral por preços acessíveis.

Cultura, Esporte e Lazer

A desigualdade cultural também é realidade na cidade de São Paulo e a população periférica é a mais afetada no acesso à equipamentos culturais da capital, pois precisam percorrer longas distâncias para frequentar museus, espaços para praticar esportes, entre outros locais públicos.

Segundo um levantamento da Rede Nossa São Paulo, 60 dos 93 distritos da cidade não possuem museus, 54 não têm cinemas e 53 não dispõem sequer de um centro ou espaço de cultura para a comunidade.

O distrito de Cidade Ademar, na zona sul paulistana, é um dos mais afetados pela falta de opções de lazer para os moradores, já que na região não há espaços culturais de qualidade, nem teatros ou museus reconhecidos. 

No entanto, o Campo Belo, na zona sul, se mostra o mais carente no quesito cultura, pois aparece mais vezes como pior distrito em 15 indicadores avaliados pelo estudo por não possuir nenhum centro cultural, cinema, museu, teatro ou outros equipamentos culturais públicos.

Iniciativas que já atuam com cultura, esporte e lazer na periferia sul

Neste ponto, destacamos aqui algumas iniciativas que realizam ações para levar arte, esporte e cultura para a população periférica de São Paulo, como o Karatê d’Quebrada é uma escola de artes marciais localizada no Jardim Macedônia, zona sul de São Paulo, cujo objetivo é aproximar a população periférica do esporte de combate e utilizá-lo ferramenta principal de transformação.

A Associação Monte Azul além de atividades voltadas para a educação, meio ambiente e saúde, também tem um espaço para a cultura oferecendo uma biblioteca recheada de histórias para contar, realizando festas típicas, eventos que reúnem espetáculos musicais, exposições de arte, atividades culturais e recreativas.

A Associação Esportiva Talentos do Capão transforma jovens em atletas das piscinas! A história começou quando o jovem Vinicius ficou inconsolável com o fechamento das portas do clube onde ele e outros garotos praticavam natação, no Capão Redondo. Para não deixá-los na mão, Valdeci, idealizador da iniciativa, se uniu a dois professores e partiu em busca de recursos e de um local para a equipe se manter em atividade. Apesar da pouca estrutura, os resultados alcançados a custa de treinamento nas água da Represa de Guarapiranga são excelentes!

O Projeto Kabuto, que oferecem a prática de artes marciais de forma gratuita para todos os públicos; o Espaço Felicidarte, que leva cinema, desenho e outras formas de arte para a moradores da Favela da Felicidade; a Coletiva Achadouras de Histórias, que desenvolve ações de incentivo a leitura; TrouPÉ na RUA, que traz a arte circense para a comunidade; o e-Bairro e o AquilombArte, que promovem a cultura e o empreendedorismo periférico e muitas outras iniciativas importantíssimas para o território.

Vale lembrar também da Fundação Julita, Coletivo Fora de Frequência, Decálogo Jalc, Rádio Comunidade, Espaço Cita, Coletivo Interferência, Ceariba Mirim, Associação Esportiva Talentos do Capão, Renascendo do Tubo, Navegando nas Artes, Sarau do Binho, o Instituto Favela da Paz com o Samba na 2 e muitos outros que desenvolvem ações voltadas para o acesso ao esporte, cultura e lazer na periferia sul de São Paulo.

Mobilidade urbana

A população periférica, no geral, enfrenta diversos problemas que dificultam diariamente suas vidas, dentre eles a mobilidade urbana. Mobilidade Urbana se refere a forma como os habitantes se locomovem dentro da metrópole mais populosa do Brasil. 

Um mapeamento realizado pelo Instituto Escolhas apontou que um morador de Parelheiros, no extremo sul da capital, gasta mais tempo e mais dinheiro do que quem vive em Moema, área nobre da zona sul, para se deslocar até o centro da cidade. Quem sai da periferia sul paulistana gasta, em média, 1h40 e mais ou menos R$14,39 para chegar ao seu destino, já quem sai de Moema leva 40 minutos e paga cerca de R$6,07 em transporte coletivo para ir ao centro.

De acordo com a pesquisa Viver em São Paulo: Mobilidade Urbana, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência, 47% dos paulistanos gastam até 2 horas em todos os seus deslocamentos diários, sendo que os moradores da região sul da capital paulista são os que gastam mais tempo para seus deslocamentos dentro da cidade. Você pode ler ainda mais sobre eles no nosso post: Mobilidade Urbana: os desafios da periferia sul de São Paulo.

As ciclovias, que poderiam ser uma alternativa sustentável para a locomoção dos paulistanos, não têm força na periferia sul. O M’Boi Mirim é o quinto distrito com menos quilômetros de ciclovias, atualmente tem cerca de 2,4 km de extensão. A diferença é gritante se compararmos com os 39 km de ciclovias do Butantã, na zona oeste da capital.

Dados da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET-SP), apontam que, no quesito ciclovias, o M’Boi Mirim só perde para Cidade Ademar, também na zona sul, e Jaçanã/Tremembé, zona norte, que possuem apenas 1,1 km de ciclovias, seguidos de Cidade Tiradentes e Itaim Paulista, ambos na zona leste, com 2 e 2,4 km de ciclovias, respectivamente.

Além disso, a falta de acessibilidade e infraestrutura é um transtorno para milhares de pessoas com deficiência. Um estudo da Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência apurou que para 90% dos paulistanos as calçadas e ruas da cidade de São Paulo são regulares, ruins ou péssimas. Para 26% das pessoas ouvidas pelo levantamento, garantir a acessibilidade das calçadas, semáforos, paradas, pontos e terminais de ônibus são as principais medidas para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência na cidade.

Iniciativas que já atuam com mobilidade urbana na periferia sul

A zona sul de São Paulo conta com poucas iniciativas que tem como foco a mobilidade urbana, por isso talvez essa seja uma oportunidade de construir novas redes, dado que essa é uma problemática ampla e que necessita de muito mais visibilidade. As principais iniciativas focadas nessa temática são fintechs, em sua maioria baseada em tecnologia. No campo e que pensem mais na parte estrutural da mobilidade, poucas organizações atuam com essa temática. No entanto, destacamos as seguintes:

O movimento SOS Transportes M’Boi Mirim é uma iniciativa que se destaca na região do Jardim Ângela, zona sul de São Paulo, e tem uma luta ativa em busca de melhorias no transporte público local.

O Mobilize reúne informações variadas sobre mobilidade e ações desenvolvidas dentro da temática no Brasil. O Vá de Bike e a Bike Anjas – SP informam a população de São Paulo sobre as vantagens de se locomover pela cidade de bicicleta, onde existem ciclovias, entre outras informações.

Violência doméstica 

O alcance de uma vida digna e o aumento do bem-estar da população na Periferia Sul de São Paulo depende do combate às diversas violências que sua população sofre diariamente.

Segundo dados do Mapa da Desigualdade 2020, o coeficiente de mortalidade de jovens por homicídio e intervenção legal para cada cem mil pessoas jovens (de 15 a 29 anos) em Marsilac é 42,2. Em comparação com Santo Amaro, que também é um bairro da zona Sul de São Paulo (mas que não fica no extremo Sul), o mesmo índice é de 7,9.

Todas as violências contra a mulher, o feminicídio, a violência racial, as violências homofóbicas e transfóbicas são assuntos preocupantes, especialmente porque há escassez de espaços de acolhimento com profissionais preparados para lidar com as temáticas.

Igualmente, segundo relatos que ouvimos da população, uma grande preocupação é o fato de que há uma sensação constante de impunidade, além da não naturalização da conversa (inclusive nas escolas) sobre o que acontece. Do ponto de vista dos moradores da periferia sul, essa naturalização é reforçada por alguns fatores, como as narrativas preconceituosas construídas pela mídia (como que o povo periférico é violento), o sistema brasileiro ter sido construído para criminalização, a crença de que a vida da periferia vale menos, a militarização da polícia e a sua postura frequentemente violenta.

O Mapa da Desigualdade de 2020 apontou ainda que a idade média de óbito no Jardim Ângela é 58,3 anos, enquanto no Alto de Pinheiros 81,1. Seja por questões de saúde, seja por expectativa de vida causada pelos altos níveis de violência, essa informação é gritante.

Iniciativas que já atuam em favor da mulher e dos direitos humanos na periferia sul

Há diversas ações na periferia sul para colaborar com estes sonhos para 2050, como redes específicas que lutam contra o juvenicídio institucional, por exemplo. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio e a Rede Justiça Restaurativa estão entre elas. Você pode ler mais sobre elas no post do nosso blog: O Juvenicídio e as redes de combate à violência nas periferias.

A Escola Feminista Abya Yala é um espaço de estudo coletivo, fortalecimento e cuidado entre mulheres ativistas na periferia que se mobilizam para realizar campanhas de arrecadação de alimentos, doações, entre outras ações que objetivam apoiar a mulher periférica. 

O Coletivo Ponto a Ponto trabalha capacitando mulheres em técnicas de corte e costura, possibilitando que ganhem autonomia financeira e, consequentemente, reduza a dependência, o que, em muitas ocasiões, é fator causador de violência.

Feminismo Comunitário organiza rodas de coversa e oficinas de temas variados com mulheres que sofrem violência doméstica, o D’elas é um projeto de tutoria para mulheres com o objetivo de possibilitar que essas alcem vôos e tenham autonomia para correr atrás de seus objetivos, já o Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP) tem como objetivo promover estratégias de formação, articulação, comunicação e incidência em políticas públicas para prevenir e superar as diversas formas de violência existentes nas periferias e o CEI Caminhar com Amor é a Solução atua com professores da rede pública de creches, ensinando técnicas que visam reduzir os índices de violência na comunicação.

Todas são grandes iniciativas que se dedicam a valorizar, capacitar e modificar a forma como as mulheres, sobretudo as periféricas, se enxergam e fazê-las compreenderem e se sentirem seguras para ocupar os espaços que quiserem na sociedade.

Independentemente do subtema em foco, uma vida digna e bem-estar é um direito constitucional e básico de todos os cidadãos do Brasil e do mundo e por esses fatores tão gritantes que exploramos ao longo do texto que a população local ouvida pelo PerifaSul 2050 escolheu os temas abordados como prioritários.

Este não é mais um texto para dizer que existem desigualdades e problemas sérios que atingem principalmente a população periférica e que precisam ser resolvidos o quanto antes. Este é um chamado para nos unirmos, uma convocação para nos conscientizarmos e lutarmos pelos nossos direitos, porque, como disse a influenciadora digital Marina Ferrari: “Nenhum de nós é tão bom quanto todos nós juntos”.