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Como o afroempreendedorismo transforma a periferia sul de São Paulo

A população negra desempenha um papel essencial no desenvolvimento socioeconômico da periferia sul de São Paulo, trabalhando incansavelmente para transformar o território, criando projetos inovadores que educam, conscientizam, empoderam e engajam a comunidade a assumir o protagonismo de sua própria história, movimentando diversos aspectos sociais, culturais e econômicos.

Eles encontram no afroempreendedorismo uma ferramenta poderosa para enfrentar desigualdades, promover a justiça social e valorizar suas identidades culturais. Isso porque, a mobilização de coletivos e empreendedores negros periféricos promove a geração de renda e empregos, fortalecendo a economia local e impulsionando o desenvolvimento comunitário local.

Neste artigo, falamos sobre como o afroempreendedorismo transforma o território e inspira mudanças na sociedade.

A realidade da população negra na periferia

Segundo o Mapa da Desigualdade 2024, as periferias têm uma população majoritariamente negra. Os dados apontam que os distritos da periferia sul de São Paulo concentram uma população negra maior do que a média da cidade; enquanto na capital paulista a média é de 43,5%, no Jardim Ângela esse percentual é de 60%, seguido pelo Grajaú com 56,8% e Parelheiros com 56,6%. Mais do que uma questão demográfica, a formação urbana de São Paulo reflete um processo histórico de exclusão racial, iniciado no período pós-abolicionista.

A Lei de Terras de 1850, ao transformar uma posse fundiária em mercadorias, impossibilitou o acesso de ex-escravizados e seus descendentes a terras e moradias dignas. Após a abolição em 1888, a ausência de políticas públicas de integração socioeconômica empurrou a população negra para as margens da cidade. Esse deslocamento foi reforçado por uma combinação de discriminação imobiliária, falta de políticas habitacionais inclusivas e um projeto urbano estruturalmente racista, que favorece imigrantes europeus e as elites brasileiras.

As periferias emergiram como territórios de invisibilidade social, caracterizadas pela precariedade de infraestrutura, insuficiência de serviços públicos e pela negação sistemática de direitos básicos, perpetuando a desigualdade e a marginalização da população negra.

Todo esse processo de exclusão impacta ainda outro ponto importante para a sociedade: o trabalho. Distante das regiões centrais, a população periférica encontra menos oportunidades de trabalhos formais. O mapa aponta que quatro distritos da periferia sul de São Paulo estão entre os que possuem os menores índices de oferta de emprego formal na cidade: Jardim Ângela apresentando 0,51%, seguido por Grajaú com 0,54%, Capão Redondo com 0,59% e Parelheiros com 0,64%.

No entanto, essa carência de oportunidades formais impulsiona os moradores dessas regiões a buscar alternativas para gerar renda e sustentar suas famílias. Quando falamos especificamente da população negra, o afroempreendedorismo tem se consolidado como uma prática transformadora.

O afroempreendedorismo é um termo que se refere a uma forma de empreendedorismo desenvolvida e protagonizada por pessoas negras que, além do desenvolvimento econômico, tem como objetivo promover a valorização da cultura afro-brasileira, fortalecer a identidade racial e combater as desigualdades sociais e raciais historicamente enfrentadas por essa população.

Deste modo, esse movimento não se limita a simples criação de um negócio por pessoas negras, mas sim de um empreendimento que, além de gerar renda, é uma ferramenta de resistência, transformação social e empoderamento, que valoriza os talentos locais, promove a autoestima comunitária e gera impacto social.

Iniciativas e programas que incentivam o afroempreendedorismo 

Existem iniciativas e programas que apoiam o afroempreendedorismo no Brasil e nas periferias de São Paulo tais como:

Programa Municipal São Paulo Afroempreendedor

Conhecido como SP Afroempreendedor, o programa tem como objetivo implementar ações voltadas para a criação e consolidação da Rede Municipal de Micro e Pequenos Afroempreendedores, promovendo a troca de experiências e o intercâmbio entre afroempreendedores, impulsionando o desenvolvimento dos territórios, fortalecendo a cultura afro-brasileira e estimulando a presença de afro empreendimentos no cenário empresarial.

Os interessados em fazer parte do SP Afroempreendedor devem preencher formulário de credenciamento para que os empreendedores possam participar de eventos, feiras, exposições e ações promovidas pela gestão municipal.

Projeto Potência Negra

Criado pelo Sebrae-SP, o Projeto Potência Negra tem como objetivo fomentar o empreendedorismo para negros por meio de uma trilha de aprendizagem e palestras sobre temas que envolvem o empreendedorismo, gestão de negócios, atendimento, vendas e finanças. O projeto segue com inscrições gratuitas abertas. Em 2024, as formações ocorreram entre os meses de agosto e setembro. Vale lembrar que as inscrições são gratuitas.

Movimento Black Money

O Movimento Black Money (MBM) é uma plataforma que conecta empreendedores e consumidores negros, com a missão de fomentar o Black Business no Brasil, fortalecer o empreendedorismo negro, promover a circulação de recursos financeiros dentro da comunidade negra, valorizar a negritude e estimular o senso de pertencimento social. Além disso, busca inserir e dar autonomia à comunidade negra na era digital.

A plataforma funciona como um marketplace dedicado a empreendedores negros, contando com startups e projetos sociais voltados ao afroempreendedorismo. O MBM já alcançou um crescimento significativo, com mais de 1000% de aumento no número de afroempreendedores cadastrados e de compradores no e-commerce, além de ROI (Retorno Sobre Investimento) de 5.484% em menos de seis meses.

Preta Comprando de Preta

Com o objetivo de mudar a percepção social de que quase não existem mulheres negras exercendo alguma tipo de profissão ou prestando algum tipo de serviço, a jornalista Thaís Borges se uniu às amigas Leila Evelyn e Alyne Cristine para criar o Preta Comprando de Preta, espaço de vendas, compras e trocas de experiências com foco em desenvolver e capacitar pessoas negras de todo o país.

Nos perfis que mantém nas redes sociais, o trio produz conteúdo sobre ferramentas e outros recursos que ajudam a impulsionar o empreendedorismo negro, divulga afroempreendedores, além de realizarem palestras difundindo a importância do afroempreendedorismo e os desafios enfrentados por afroempreendedores no Brasil.

Indique Uma Preta

Indique Uma Preta nasceu em 2016 como uma comunidade focada na conexão e desenvolvimento de mulheres negras. Cinco anos depois, a iniciativa transformou-se em uma consultoria que conecta a comunidade negra ao mercado de trabalho, conscientizando organizações para construir espaços diversos e inclusivos, influenciando diretamente no desenvolvimento de profissionais negros.

Afroempreendedorismo na periferia sul de São Paulo

O afroempreendedorismo caracteriza-se por negócios desenvolvidos por empreendedores negros em nichos que também se relacionam com a cultura afro-brasileira como: moda, dança, beleza, entre outros exemplos que movimentam economica e culturalmente a periferia sul de São Paulo.

Nesse contexto, a periferia sul se revelou uma grande potência de talentos, iniciativas e coletivos que se engajam para transformar o território, as pessoas e a própria vida através de empreendimentos que conectam, especialmente, a população negra com sua própria identidade e oportunidades no mercado de trabalho.

Fundada em 1999 no Capão Redondo, a 1DASUL uma marca pioneira que resgata o orgulho periférico, se consolidou como símbolo de resistência e autenticidade, promovendo dignidade e pertencimento à comunidade.

Já a Boutique de Krioula, criada por Michelle Fernandes e Célio Campos em 2013, eleva a  autoestima e conecta a população negra com sua ancestralidade através de suas afro-joias, bolsas e turbantes, difundidos por meio do Workshop Rainhas Urbanas.

Já o Viela Veste combina moda e transformação social, criando peças exclusivas inspiradas no cotidiano da periferia e nos sonhos da juventude local.

Nesse nicho temos ainda o PIM – Periferia Inventando Moda, que participou da primeira edição da primeira fase do aTUAção PerifaSul, e capacita jovens da periferia com cursos práticos em moda, maquiagem e fotografia.

Já a grife LOYAL, da estilista Jaqueline Leal, utiliza desfiles ao ar livre como atos de resistência, abordando questões sociais e políticas sensíveis à quebrada, como, feminismo, celebração do povo preto, Setembro Amarelo, triângulo da morte (como Capão Redondo, Jd Ângela e Jd São Luís eram vistos nos anos 90), entre outros temas.

O TrançAmor foi criado por Evelyn Daisy, moradora do Capão Redondo, que dividiu-se entre os estudos e o trabalho como trancista, até que transformou o trabalho esporádico em seu principal ofício, abrindo uma barbearia especializada em estética negra que atendia e capacitava outras pessoas pretas. No entanto, a iniciativa, que já foi apoiada pela Fundação ABH, transcendeu e passou a explorar o nicho da gastronomia através do preparo de marmitex de comida orgânica para os moradores da periferia e pessoas em situação de rua. O projeto cresceu e se transformou no Instituto TrançAmor Território, um espaço que atende mulheres e famílias da periferia promovendo saúde e bem-estar através de uma alimentação justa, saudável, nutritiva e orgânica (sem veneno), além de artísticas e culturais que visam melhorar a qualidade de vida da população do território.

A Kinah Desenvolvimento Profissional nasceu da inquietação da administradora de empresas, professora universitária e consultora de RH, Katiana Normandia, que, ao longo de sua carreira, observou que não havia um programa de orientação de carreira para a população que vive nos extremos das periferias brasileiras. Em entrevista à Fundação ABH, em fevereiro de 2023, Katiana explicou que “seu foco é a população preta, meninas, meninos e mulheres pretas, mas também outros profissionais periféricos que estão nesse momento de refletir a carreira”.

Criada por André Luiz, a TV Doc Capão é uma produtora que tem como mola propulsora a crença no potencial da juventude e nos sonhos dos empreendedores da favela. A partir disso, realiza não só produções para e sobre as iniciativas da quebrada, mas também desenvolve oficinas que capacitam o jovem periférico para o mercado audiovisual. 

Nascida no Jardim Iporanga, no extremo sul da cidade de São Paulo, a poeta, editora, jornalista e integrante do Sarau das Pretas, Elizandra Souza, atua há 22 anos como ativista cultural, promovendo a literatura negra feminina. Em 2012, lançou a Editora Mjiba, derivada do coletivo de mesmo nome, que já conta com seis títulos, incluindo duas coletâneas que reúnem 50 autoras negras.

Conclusão

O afroempreendedorismo é muito mais do que uma solução econômica,  é uma expressão de resistência, criatividade e transformação. As lideranças negras não apenas criam negócios, mas constroem ecossistemas de desenvolvimento, onde cada iniciativa impacta diretamente centenas de pessoas, criando ciclos virtuosos de crescimento comunitário.

Ao apoiar essas iniciativas, todos contribuímos para um futuro mais inclusivo, justo e vibrante, onde o protagonismo negro é reconhecido como um motor essencial para o desenvolvimento.

A periferia sul de São Paulo está repleta de afroempreendedores que estão fazendo a diferença na vida de muita gente da quebrada. Se você é um deles, tem uma iniciativa na ou presta algum tipo de serviço no território, faça seu cadastro no Mapa PerifaSul 2050! Vamos juntos mostrar para todos a potência que a periferia sul tem!

Gostou do artigo de hoje e quer contribuir para o desenvolvimento da periferia sul de São Paulo? Fique ligado nos nossos canais de comunicação para acompanhar nossa atuação. Aproveite e apoie a Fundação ABH para possamos ampliar essa rede e gerar ainda mais impacto na periferia sul de São Paulo.