As mulheres negras desempenham um papel crucial na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, já que são mais da metade população do Brasil. Parte desse grupo atua na luta contra o racismo, o machismo, na promoção do desenvolvimento comunitário e na participação social ativa, dois temas que abordamos com frequência nos canais de comunicação da Fundação ABH.
Com foco especial na periferia sul de São Paulo, onde a desigualdade socioeconômica e racial é uma realidade presente, contamos a história de mulheres negras que surgem como líderes e agentes de mudança, enfrentando desafios e impulsionando iniciativas que visam transformar suas comunidades.
E uma das principais maneiras de transformar a sociedade é a política, que surge como um instrumento através do qual deveríamos discutir as necessidades da população e atuar em prol delas, porém nem sempre isso acontece de forma satisfatória e, muito disso, tem relação com a falta de representatividade nesse ambiente, especialmente entre mulheres negras.
Neste texto, exploraremos a importância da presença e participação das mulheres negras na política, destacando seu papel no desenvolvimento comunitário e na promoção da participação social.
A mulher negra na política
A baixa participação de mulheres na política é uma questão mundial. Segundo o relatório “Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade”, da Oxfam, as mulheres representam somente 25% dos parlamentares eleitos.
Quando reduzimos esse recorte para as mulheres negras, esse número cai drasticamente, sobretudo no Brasil, onde esse grupo ocupa apenas 2% do Congresso Nacional e menos de 1% da Câmara dos Deputados.
Com 54% da população brasileira sendo negra e 28% sendo mulheres negras , de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, há uma disparidade frente aos números representados na política.
Mas afinal, por que as mulheres negras têm tão pouca representatividade política?
Por que tem poucas mulheres negras na política?
A primeira mulher negra a ser eleita para uma Assembleia Legislativa no Brasil foi Antonieta de Barros, em 1934. De lá para cá, muito se evoluiu nesse campo e a participação política de mulheres vem crescendo ao longo dos anos. Em 2018 o número de mulheres eleitas aumentou 52,6% em relação à eleição anterior, em 2014.
Em 2022, 91 mulheres foram eleitas deputadas federais, o que representa cerca de 17,7% do total de 513 parlamentares. No geral, 302 mulheres, contra 1.394 homens, foram eleitas cargos na Câmara dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais.
Apesar dos avanços inegáveis, como a cota de 30% para candidaturas de mulheres nos partidos estabelecida pelo Superior Tribunal Eleitoral (TSE), a participação da mulher na política ainda tem com um déficit bastante expressivo, sobretudo quando se trata de mulheres negras, e alguns dos principais motivos são questões estruturais, sobretudo o machismo e o racismo, que permeia a sociedade em que vivemos.
Em entrevista ao portal Brasil de Fato, Joyce Souza Lopes, coordenadora do projeto Pretas no Poder: participação política, representatividade e segurança de ativistas negras, do Instituto Odara, comentou como a baixa incidência de mulheres negras em cargos públicos impacta o cotidiano dessas mulheres.
Joyce aponta que os números refletem a violência política de raça e gênero contra mulheres negras e que a sub-representatividade desse grupo é uma expressão do racismo estrutural na esfera política institucional.
“Um grupo que é maioria social é condicionado a incidir enquanto minoria nos espaços de tomada de decisão. E como minoria é, mais uma vez e cotidianamente, violentada de diversas formas, pelo não reconhecimento da ocupação legítima, o menosprezo, micro agressões, tentativa de silenciamento, ameaças, isolamento político, constrangimentos, são diversas formas em que o patriarcado e o racismo agenciam esse cotidiano”, disse ela.
Além disso, historicamente as mulheres negras enfrentam uma luta diária para sobreviver à violência e à precariedade. O Atlas da Violência de 2019 mostrou que 66% das mulheres foram assassinadas naquele ano eram negras, a última Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE destacou que 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza.
A importância das mulheres negras na política
As mulheres negras encontram na política uma ferramenta para dar voz às suas demandas e para desafiar as estruturas de poder que perpetuam a marginalização e a exclusão. Seja através da organização de movimentos sociais, da ocupação de cargos políticos ou da liderança em iniciativas de base, essas mulheres estão na vanguarda da luta por direitos humanos, igualdade racial, moradia digna, acesso à saúde e educação de qualidade.
Destacamos a seguir alguns dos motivos que justificam a importância da mulher negra na política:
Representatividade: A presença de mulheres negras na política é essencial para garantir que as preocupações e necessidades específicas de suas comunidades sejam adequadamente representadas e abordadas. Como mulheres que vivenciam a interseccionalidade de gênero, raça e classe, elas trazem uma compreensão profunda das questões enfrentadas por esse grupo social.
Luta contra o Racismo e a Discriminação: As mulheres negras estão na linha de frente da luta contra o racismo e a discriminação racial. Por meio de sua participação na política, elas podem promover políticas e programas que combatam o racismo institucional, promovam a igualdade racial e criem oportunidades equitativas para todos.
Empoderamento Comunitário: Ao se envolverem na política, as mulheres negras capacitam suas comunidades a se tornarem agentes de mudança. Elas mobilizam e organizam suas comunidades em torno de questões importantes, promovendo a conscientização política e incentivando a participação cívica.
Modelo de Liderança: As mulheres negras que ocupam cargos políticos servem como modelos inspiradores para outras mulheres e jovens, mostrando-lhes que é possível superar as barreiras e alcançar posições de liderança. Elas desafiam estereótipos e ampliam os limites do que é considerado possível para as mulheres negras na política.
Promoção da Justiça Social: A presença de mulheres negras na política contribui para a promoção da justiça social e da equidade em toda a sociedade. Elas trabalham para garantir que as políticas públicas sejam sensíveis às necessidades das comunidades mais marginalizadas e para criar um ambiente onde todas as pessoas possam prosperar.
Em resumo, as mulheres negras desempenham um papel essencial na política local, promovendo a representatividade, combatendo o racismo, capacitando comunidades e trabalhando para promover uma sociedade mais justa e inclusiva para todos. Seu engajamento político é fundamental para a construção de um futuro melhor e mais igualitário para as gerações futuras.
As barreiras que afastam mulheres negras de posições de liderança
A ausência de mulheres negras em posições de liderança pode ser atribuída a uma série de barreiras sistêmicas e estruturais. Aqui estão algumas das barreiras mais importantes que contribuem para essa falta de representação:
Ausência de conhecimento: Um dos principais obstáculos que afastam mulheres negras de posições de liderança é a ausência conhecimento e consciência sobre a possibilidade de ocupar esses lugares, que se origina na falta de capital social e de rede de conexão dessas mulheres, que cada vez mais se unem e se movimentam para superar esse empecilho. Isso porque, se não estão inseridas em espaços onde as vagas para cargos estratégicos e decisórios são divulgadas, fica mais difícil conhecer e ocupar esses postos.
Discriminação e Racismo: Discriminação racial e de gênero podem limitar as oportunidades de mulheres negras de avançarem em suas carreiras. Estereótipos negativos e preconceitos podem levar a uma subavaliação de suas habilidades e competências, dificultando sua ascensão em posições de liderança.
Acesso Limitado à Educação e Oportunidades: Mulheres negras frequentemente enfrentam desafios no acesso à educação de qualidade e oportunidades de desenvolvimento profissional. A falta de recursos, acesso limitado a redes de apoio e a prevalência de escolas e ambientes de trabalho segregados podem dificultar o desenvolvimento de suas habilidades e o acesso a oportunidades de liderança.
Viés Institucional e Estrutural: As estruturas organizacionais muitas vezes refletem preconceitos e desigualdades sistêmicas, o que pode perpetuar a exclusão de mulheres negras em cargos de liderança. Práticas de contratação tendenciosas, falta de diversidade nas políticas de promoção e culturas organizacionais que não valorizam a diversidade podem criar barreiras significativas para o avanço das mulheres negras.
Dupla Discriminação: Mulheres negras enfrentam o que é conhecido como “dupla discriminação”, enfrentando obstáculos devido a sua raça e gênero. Isso pode resultar em uma carga adicional de preconceito e discriminação, tornando mais difícil para elas progredirem em suas carreiras e ocuparem posições de liderança.
Barreiras Culturais e Sociais: Normas culturais e sociais podem influenciar as expectativas em relação ao papel das mulheres na sociedade e no local de trabalho. Estereótipos de gênero e papeis tradicionais podem limitar as oportunidades das mulheres negras de assumirem posições de liderança, especialmente em ambientes onde a masculinidade é valorizada acima de outras características.
Caminhos para desconstruir
Para que mais mulheres possam ocupar espaços de liderança, é necessário um esforço coordenado em diversos níveis da sociedade. Aqui estão alguns caminhos para alcançar esse objetivo:
Educação e Capacitação: Investir em educação de qualidade para meninas e mulheres é fundamental. Isso inclui acesso à educação básica, formação profissional e oportunidades de desenvolvimento de habilidades de liderança.
Promoção da Igualdade de Gênero: É necessário promover uma cultura de igualdade de gênero que desafia estereótipos e normas sociais discriminatórias. Isso pode ser feito por meio de campanhas de conscientização, educação sobre direitos das mulheres e políticas que promovam a igualdade de oportunidades.
Apoio Institucional: Governos, empresas e organizações devem implementar políticas que promovam a igualdade de gênero e apoiem o avanço das mulheres em posições de liderança. Isso pode incluir cotas de gênero em cargos de liderança, políticas de licença parental equitativas e programas de mentoria para mulheres.
Redes de Apoio: Estabelecer redes de apoio entre mulheres líderes é crucial. Isso pode incluir grupos de mentoria, redes profissionais e organizações de apoio que ofereçam recursos e oportunidades de networking para mulheres em cargos de liderança.
Desenvolvimento de Talentos: Investir no desenvolvimento de talentos femininos é essencial. Isso pode incluir programas de desenvolvimento de liderança, treinamentos especializados e oportunidades de mentoria para mulheres em todas as etapas de suas carreiras.
Reconhecimento e Valorização: Reconhecer e valorizar as contribuições das mulheres em posições de liderança é fundamental. Isso pode ser feito por meio de prêmios, reconhecimento público e promoção de modelos femininos de sucesso.
Conscientização sobre Viés de Gênero: É importante conscientizar sobre o viés de gênero e seus impactos na seleção, promoção e avaliação de mulheres em cargos de liderança. Treinamentos sobre viés inconsciente podem ajudar a combater preconceitos e promover uma avaliação justa e equitativa.
Engajamento Político e Social: Encorajar as mulheres a se envolverem ativamente na política e na sociedade é crucial para ampliar sua representação em espaços de liderança. Isso pode incluir incentivar o registro para votar, participar de movimentos sociais e se candidatar a cargos políticos.
Esses são apenas alguns caminhos que podem ser explorados para promover uma maior representação de mulheres em posições de liderança. É importante que todos os setores da sociedade trabalhem juntos para criar um ambiente inclusivo e igualitário onde as mulheres possam prosperar e contribuir plenamente com seu potencial de liderança.
Iniciativas e movimentos políticos na periferia sul de São Paulo
Anteriormente, trouxemos um conteúdo sobre a importância da participação política na periferia sul de São Paulo. Isso porque ela é fundamental para que a população se faça ouvir e conquiste seus direitos, já que o povo brasileiro depende das políticas públicas, porém não encontram o caminho aberto com quem faz política no país.
Nesse sentido, surgiram movimentos inovadores na zona sul paulistana e em outras regiões, os chamados mandatos coletivos, que reúnem cidadãos do território com histórias e vivências diferentes que somam suas experiência de modo a contribuírem para a garantia de direitos do povo, dividindo as responsabilidades nesse processo de construção e transformação do território.
Um dos movimentos pioneiros é a Mandata Ativista, que lançou na política nomes conhecidos como Erika Hilton, Paula Aparecida, Raquel Marques e Monica Seixas, quem se uniram para promover a discussão e o aprimoramento de leis e de políticas públicas em diversas frentes, como direitos humanos, cultura e sustentabilidade.
Entretanto, a Mandata Ativista se desmembrou e seus participantes foram trilhando outros caminhos, mas sempre com o mesmo objetivo. Monica Seixas, por exemplo, lidera o Movimento Pretas que conta com a covereadora no mandato Ativoz, Karina Correia; a estudante de direito, Letícia Chagas; a mestra em ciências sociais e humanas, Najara Costa; e a professora de língua portuguesa Poliana Nascimento.
O Movimento Pretas tem como objetivo ampliar a ocupação de mulheres negras na política e implementar projetos que protegem os direitos humanos em diversas categorias, como no combate à violência de janeiro, preservação da cultura negra e indígena, investimento na cultura periférica, combate à intolerância religiosa, entre outros.
Temos ainda a Mandata Quilombo Periférico, formada por lideranças do movimento negro e periférico, que atuam em prol do combate ao racismo institucional, dos direitos das mulheres negras, da comunidade LGBTQIAPN+, entre outras bandeiras que carrega o grupo composto pela vereadora eleita Elaine Mineiro e os covereadores Débora Dias, Júlio Cezar e Alex Barcellos.
Falamos tanto em direitos da população, que vale mencionar aqui também o jornal Embarque no Direito, que fala sobre as periferias e favelas e traduz direitos, numa linguagem simples e direta. Além disso, desenvolvem o podcast Direito de Quebrada, onde contam histórias de vida de pessoas reais para explicar como se dá o acesso do povo aos seus direitos básicos.
Se você tem uma iniciativa na periferia sul de São Paulo que trabalha para melhorar essas e outras questões da comunidade, faça seu cadastro no Mapa PerifaSul 2050! Vamos juntos mostrar para todos a potência que a periferia sul tem!
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