A Teoria da Mudança é uma ferramenta que auxilia no processo de planejamento de iniciativas sociais. No entanto, a falta de tempo, conhecimento ou recursos necessários faz com que poucas organizações consigam expressar de forma objetiva como pretendem gerar impacto.
Uma das áreas da Fundação ABH apoia iniciativas com capacitação e informação, seja de maneira formal ou informal. Como sabemos o quanto uma Teoria da Mudança bem feita pode ajudar a potencializar o trabalho de iniciativas e sabendo de como poucas tiveram oportunidade de conhecer e desenvolver sua Teoria da Mudança no território, trouxemos esse conteúdo ao alcance de todos!
Conversamos com Marianne Baumgart, da Bemtevi Investimentos Sociais, e Eduardo Sugawara, do Sense-Lab, para nos ajudar a compreender o conceito, importância, desenvolvimento e características, assim como dar dicas para que todos sejam capazes de construir a Teoria da Mudança da própria iniciativa.
O que é a Teoria da Mudança?
A Teoria da Mudança consiste em definir o impacto que uma iniciativa deseja causar em um determinado contexto a partir de um objetivo bem definido que determinará os passos necessários para alcançá-lo a longo prazo.
O conceito de Teoria de Mudança foi criado por um grupo de profissionais do campo social na década de 90, dentre eles a pesquisadora americana Carol Weiss, que foi a responsável por apresentar esse modelo ao mundo em 1995.
Na publicação, a estudiosa de educação e análise de políticas destacou que a Teoria da Mudança facilita o alinhamento sobre o quê uma iniciativa faz, como ela faz e quais os resultados e impactos da sua atuação no contexto em que está inserido; permite que as iniciativas ampliem seu foco de atenção considerando os resultados e impactos a curto, médio e longo prazo e provoca o debate das teses que sustentam a existência da iniciativa.
A Teoria da Mudança foi tema do 3º Encontro do Comitê Consultivo da Fundação ABH que aconteceu em 23 de agosto de 2022. Na ocasião, Marianne Baumgart introduziu o assunto junto aos representantes de iniciativas e coletivos da periferia sul de São Paulo.
De acordo com Marianne, a Teoria da Mudança é uma ferramenta ilustrativa e descritiva, cujo resultado final se traduz em um desenho de causalidade (causa e efeito), de como e porquê uma iniciativa pretende realizar uma mudança em determinado contexto e, a partir disso, o que é necessário para atingir esse objetivo.
[gdlr_quote align=”center” ]“A gente consegue, com essa ferramenta ilustrativa, identificar qual ação gera qual efeito e através do desenho identificar quais são os caminhos possíveis para a gente atingir o impacto definido pelo grupo que ajudar a causar essa transformação, essa mudança desejada em um determinado contexto”.[/gdlr_quote]
Geralmente, o ponto de partida é a definição do problema que se pretende tratar, em seguida do impacto de longo prazo que se deseja atingir e, a partir disso, a iniciativa consegue desenhar o caminho que será percorrido para ter êxito, determinar os recursos humanos e financeiros necessários para esse processo, as atividades que devem ser desenvolvidas, bem como os resultados diretos e intermediários que elas vão gerar.
Quais são os benefícios da Teoria da Mudança?
Além de ser fundamental para o planejamento das ações de um grupo ou organização, a Teoria da Mudança possui benefícios específicos que contribuem para esse processo a curto, médio e longo prazo.
Marianne explicou alguns deles durante o 3º Encontro do Comitê Consultivo da Fundação ABH:
- Tornar o planejamento do projeto mais concreto;
- Ajudar a equipe a ter visão clara e objetiva do que precisa ser feito, facilitando a decisão de como os recursos disponíveis serão utilizados;
- Criar e alinhar expectativas de forma realista e prever os possíveis resultados de cada ação e cada caminho que for determinado na Teoria da Mudança;
- Orientar processos de decisão que o grupo vai tomar ao longo do caminho, por exemplo, se alguma ação que a iniciativa pretende realizar está alinhada com os objetivos, atividades e impactos determinados da Teoria da Mudança;
- Focar os recursos humanos e financeiros disponíveis no que é relevante para atingir os objetivos definidos anteriormente;
- Capturar a complexidade do objetivo a longo prazo, ou seja, podemos observar diversos caminhos que podem nos levar a atingi-los;
- Definir o que é sucesso no projeto, o que é preciso para alcançá-lo e se a organização está conseguindo ou não chegar lá;
- Auxiliar na definição de indicadores que ajudam na mensuração dos resultados e impacto;;
- Representar visualmente a mudança e como se espera que ela aconteça, além de ajudar na comunicação, pois todos que tiverem acesso ao desenho vão compreender o que se pretende causar dentro do contexto trabalhado.
Quais são as características da Teoria da Mudança?
Eduardo Sugawara diz que, além dos pontos citados acima, existem algumas outras características que devemos ter em mente antes de iniciar o processo de construção da Teoria da Mudança.
Primeiro, é essencial que seja desenvolvida a partir de um processo participativo, que ouça a maior parte possível dos envolvidos para que todos os interesses sejam contemplados. “Isso significa ouvir diversas vozes dentro e fora da organização, porque você está querendo definir a forma de atuação da organização, então não pode ser feita só com a alta liderança, tem que envolver outras partes e outros níveis de qualquer organização”.
A Teoria da Mudança é uma ferramenta viva e dinâmica, ou seja, é totalmente flexível e pode sofrer ajustes ao longo do tempo para que, quando necessário, se adapte ao momento e à realidade da organização e de todos os envolvidos.
Além disso, a Teoria da Mudança deve ser simples, objetiva e precisa em relação a mensagem que a organização quer transmitir. No entanto, o consultor alerta: “Ser simples não significa que ela seja rasa, mas ela tem que ser uma mensagem que diz diretamente o que a organização quer fazer, aonde ela quer chegar, então não pode ser com colocações vagas, verbos que falam de questões mais genéricas”.
Ele ressalta que esse processo é sempre atrelado à figuras que ilustram a trilha que a organização pretende percorrer para atingir os impactos definidos: “A Teoria da Mudança é um baita instrumento de comunicação, então ela não pode ser uma coisa que é texto e caixinhas, é legal ter elementos de design que tornem a Teoria da Mudança, a narrativa mais atraente”.
Na imagem abaixo podemos conferir a Teoria da Mudança da Fundação ABH.
O território de atuação da Fundação ABH é a periferia sul de São Paulo e nos balões cinzas elencamos os problemas que desejamos resolver e o que a organização quer potencializar com base no contexto atual da região.
A partir disso, o propósito da Fundação ABH é “impulsionar o desenvolvimento de comunidades, ampliando o acesso à oportunidades e a melhoria da qualidade de vida de seus moradores”, provocando grandes transformações e colhendo muitos frutos.
Para atingir esse propósito, a organização definiu um eixo principal, o desenvolvimento comunitário, e, a partir dele, quatro áreas de apoio: Investimento financeiro; capacitação/intercâmbio; atuação em rede e mentoria. Esses campos têm o objetivo de gerar frutos, como criação e fortalecimento da economia local e atores sociais mais capacitados para serem protagonistas das mudanças desejadas.
E são esses frutos que também podem ser chamados de resultados, que vão gerar as transformações desenhadas pela iniciativa dentro do contexto descrito anteriormente, como fomento da economia local e acesso a oportunidades.
Vale lembrar que a Teoria da Mudança da Fundação ABH está passando por uma reformulação, pois estamos em meio a um processo de transição para fundação comunitária e, junto do nosso Comitê Consultivo, estamos reestruturando nossas bases colocando cada vez mais a comunidade como protagonista da estratégia e da mudança e aproveitando para melhorar nosso processo também!.
Erros comuns na construção da Teoria da Mudança
A construção da Teoria da Mudança pode parecer simples à primeira vista, mas requer esmero e atenção aos detalhes, já que todo processo é passível de erro.
Para evitar que possíveis contratempos, Eduardo Sugarawa citou algumas das falhas mais comuns cometidas no processo e seu sugestões de como evitá-las.
“O primeiro erro é querer construir uma Teoria de Mudança já sabendo o que que ela vai ser”, explicou o consultor que acrescentou que é necessário que a organização esteja aberta para esse processo de construção, podendo até a rever completamente a própria estrutura.
Outra situação apontada é fazer esse processo sem ouvir as várias partes ligadas à organização, tanto internas quanto externas: “Ter a visão de algumas poucas pessoas da organização perde essa questão da visão sistêmica”, ou seja, limita a capacidade da iniciativa de enxergar o todo.
Por fim, Eduardo destaca que a organização não pode querer fazer as coisas com pressa. “Dependendo da organização, do seu tamanho, da sua complexidade, uma Teoria de Mudança não é construída em apenas uma reunião, mas a partir de várias interações, esse processo pode até durar alguns meses.”
Sabendo dos erros que não devemos cometer nesse processo, podemos começar a desenhar a nossa Teoria da Mudança.
Desenhando a Teoria da Mudança
Como vimos no exemplo da Fundação ABH, o contexto, a missão, visão, atividades, os resultados e transformações definidas na Teoria da Mudança devem estar bem conectados e transmitir a mensagem principal de forma clara e concisa, mas também são conceitos maleáveis que podem ser revistos e reescritos conforme a organização deseja se adaptar a novas realidades, como é o nosso caso.
Para isso, existe uma trilha a ser percorrida a partir de oito perguntas fundamentais que precisam ser respondidas em conjunto por todos os envolvidos neste processo.
- Quais problemas queremos resolver?
Neste primeiro momento, você vai definir qual ou quais problemas a sua iniciativa quer resolver, bem como descrever as causas e as consequência desse problema em seu território de atuação.
- Qual é a nossa visão de longo prazo?
Aqui o exercício é imaginar como estará o cenário, o espaço ou território em que sua iniciativa atua depois que os problemas pontuados na primeira questão forem resolvidos.
- Quais são os impactos que visamos atingir?
É nesta etapa que você deve começar a definir quais impactos sua iniciativa pretende atingir, mas atente-se que até aqui o foco ainda é o problema a ser resolvido sem considerar os caminhos e alternativas que serão utilizadas para atingi-los.
- Quais os recursos que temos disponíveis?
Depois de nos aprofundarmos no problema que a iniciativa pretende resolver, precisamos fazer um levantamento dos recursos necessários e disponíveis para desenvolver as atividades que vão promover a mudança desejada. Vale ressaltar que aqui deve-se considerar os recursos financeiros, humanos, entre outros.
- Quais são as atividades necessárias?
Após o levantamento dos recursos do território, por exemplo, vamos nos aprofundar sobre as ações que podem ser realizadas para atingir o impacto pretendido pela iniciativa.
- Quais são os resultados diretos?
Aqui queremos saber quais as consequências, os frutos, das atividades que foram definidas na questão anterior.
- Quais os resultados intermediários?
Essa questão diz respeito aos resultados que seriam gerados a partir dos resultados diretos ao longo do tempo.
- Quais indicadores serão utilizados?
Com a Teoria da Mudança desenhada é hora de identificar e definir o que pode ser medido e acompanhado ao longo do tempo de atuação da iniciativa para verificar se os objetivos estabelecidos previamente estão sendo atingidos ou não.
A construção dos indicadores também prevê um longo processo. No artigo A importância dos indicadores de impacto e de resultado para iniciativas periféricas, a especialista em gestão de projetos e líder do Programa Rede Mulheres do Maranhão, Solange Machado, nos explicou como estes são construídos, suas características e suas diferenças e deu dicas para quem está começando a construir as bases de sua própria iniciativa.
Ferramentas para ajudar no processo
Além dos passos descritos anteriormente, outras ferramentas podem auxiliar nesse processo de construção da Teoria de Mudança, uma delas é o Modelo C.
Esse método agrega o desenho da Teoria da Mudança, que foca em discutir negócios de impacto, ao Business Model Canvas, cujos elementos se atentam exclusivamente à criação de valor comercial e financeiro de um empreendimento.
A publicação Modelo C – Negócios de Impacto, realizada a partir de uma parceria entre a Sense-Lab, Move Social, o ICE – Instituto de Cidadania Empresarial e a Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, está disponível na biblioteca da Fundação ABH.
A Fundação ABH renova sua Teoria de Mudança
Depois de dois dias de integração para aproximar os membros do Comitê Consultivo, alinhar expectativas e compartilhar conhecimento e de uma segunda reunião para ampliar o aprendizado, trocar ideias e esclarecer dúvidas sobre fundações e institutos comunitários e governança, o 3º Encontro do Comitê Consultivo, que aconteceu em 23 de agosto de 2022, iniciou uma nova etapa no processo de transição da Fundação ABH para uma fundação comunitária.
Neste percurso, estamos revendo e refazendo a nossa Teoria da Mudança de maneira colaborativa, trazendo a voz da comunidade para a nossa estratégia. De acordo com a diretora executiva da Fundação ABH, Marina Fay, é possível que haja mudanças, como a criação de indicadores para mensurar os resultados e impactos na periferia sul de São Paulo, que vão deixar as bases da organização ainda mais fortes e até mesmo é possível que apareçam novas temáticas para seguirmos contribuindo com o desenvolvimento comunitário local.
Para acompanhar os próximos passos desse processo de reestruturação, acompanhe as redes da Fundação ABH, onde publicaremos todas as novidades dos próximos encontros de reestruturação e finalização da Teoria da Mudança prevista para o final de setembro de 2022. Nosso próximo encontro para efetivamente colocar a mão na massa e começar a redesenhar a Teoria será nesta sexta-feira, 02 de Setembro de 2022!
A Fundação ABH está revisitando o passado para reconstruir o futuro e contamos com você nessa jornada!