Das cortes às favelas: A importância dos saraus na periferia

A periferia sul de São Paulo é um reduto de artistas, produtores culturais e criadores cheios de vontade e inspiração, não apenas de fazer, mas de compartilhar o fazer, o resultado e as glórias com todos à sua volta, incentivando-os a se expressar através da arte e da cultura.

E dentre as tantas formas de mostrar ao mundo as dores, delícias, sentimentos, vivências e a realidade, está a literatura. A escrita ganhou traços e força na região sul da capital paulista com o surgimento dos saraus, que reúne poetas e artistas de diversos segmentos para compartilhar as suas palavras.

Neste texto, vamos conhecer um pouco mais da história dos saraus, a importância desse movimento para a periferia sul de São Paulo, de que maneira essa expressão artística promove o desenvolvimento comunitário local, além de acompanhar uma entrevista exclusiva com Robinson de Oliveira Padial, conhecido como Binho, e criador do Sarau do Binho e da FELIZS – Feira Literária da Zona Sul.

 

Como e onde surgiram os Saraus?

Acredita-se que a cultura de reunir o povo para compartilhar experiências culturais e promover o convívio social teve início na Grécia Antiga com as famosas Ágoras, praças públicas na qual os cidadãos se juntavam para discutir assuntos relativos à pólis, a forma de governo da época. 

Comum no século XIX, esse tipo de evento era restrito aos aristocratas e burgueses, ou seja, a parcela mais rica da população que se deleitava com literatura, boa música, champanhe, vinhos, dentre outros ingredientes que compunham o cenário da época.

A corte portuguesa trouxe os saraus para o Brasil em 1808. Realizados a princípio no Rio de Janeiro, os encontros seguiam os mesmos moldes dos salões franceses. Em seguida, fazendeiros de São Paulo aderiram à moda e na metade do século XIX o movimento já era popular em todas as capitais do país.

 

A Cultura dos Saraus na periferia sul de São Paulo

Nas periferias brasileiras, os saraus surgiram como um ato de resistência, um movimento para dar voz à parcela invisibilizada da população. Na periferia sul de São Paulo, o Sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia) é considerado pioneiro. Criado pelos poetas Sérgio Vaz e Marco Pezão, o evento reúne artistas periféricos desde 2001.

Este foi o pontapé inicial para que a cultura dos saraus se espalhasse rapidamente pelas periferias da cidade e novos coletivos surgissem, como o Sarau Elo da Corrente, que fomenta e difunde a cultura periférica, negra e nordestina. Temos também o Sarau do Grajaú, que reúne artistas do extremo sul paulistano e que ganhou até algumas edições virtuais durante a pandemia.

Já o Sarau Suburbano tem destaque no centro da capital paulista com encontros de artistas periféricos na Giostri Livraria, localizada no Bixiga. O Sarau das Pretas é um espetáculo que roda os centros culturais da cidade de São Paulo para promover reflexões sobre o feminino, a cultura e a ancestralidade.

Vale destacar ainda outros três saraus que acontecem na periferia sul de São Paulo: da Ponte pra Cá, Praçarau e do Binho, um dos mais antigos da cidade. Desde 2004, o Sarau do Binho reúne poetas, artistas plásticos, músicos, cineastas, fotógrafos, atores e outros que se expressam através das suas linguagens.

Conversamos com o próprio Binho para conhecermos mais sobre o processo até nascer o sarau que leva o seu nome, suas referências e compreendermos a importância desse movimento, da arte e da cultura em geral para a periferia sul de São Paulo.

 

Confira a entrevista exclusiva

Qual foi o pontapé inicial para a criação do Sarau do Binho? 

Nos anos 90, abrimos um bar no Campo Limpo e ali começamos a realizar algumas atividades culturais. Uma destas atividades foi a Noite da Vela, onde fazíamos um jantar especial à luz de velas e os frequentadores começaram a usar o intervalo entre a troca de um disco e outro, para falar uma poesia. Em 2004, começamos a fazer os encontros semanais já com o nome de Sarau do Binho.

Quais foram suas maiores referências nesse processo? 

Quando começamos a Noite da Vela, ainda não conhecíamos outros poetas da região, apenas os poetas dos livros, em sua maioria, poetas já mortos, então não tínhamos ainda uma referência de ações do tipo, mas quando começamos com o Sarau, já existia a Cooperifa, que nos serviu como referência.

Qual o impacto do Sarau do Binho na periferia sul de São Paulo ao longo desses anos todos de atuação?

Acho que o Sarau do Binho, como um dos precursores deste movimento, abriu portas para outros grupos, outros artistas. O sarau é um catalisador, onde pessoas de diferentes linguagens artísticas se encontram e isso potencializa nossas ações e nossa arte

No geral, qual foi e é a importância dos saraus para periferia sul de São Paulo?

Os saraus têm sido um forte aliado de professores e estudantes e temos ido muito às escolas compartilhar nossas experiências com eles. A partir disso, muitas destas escolas criaram seus próprios saraus, muitos estudantes começaram a escrever ou tirar seus escritos da gaveta, os livros dos autores da literatura produzida nas periferias hoje estão nas bibliotecas das escolas, sendo trabalhados pelos professores em sala de aula. Os alunos se reconhecem nestes textos e nas vivências destes autores. Ele vai encontrar este autor no seu bairro, nas ruas, becos e vielas por onde passa e vai perceber que é possível também fazer parte deste universo literário, de onde ele, até então, só conhecia autores já mortos ou de uma realidade muito distante.

Em se tratando do contexto cultural geral da periferia sul de São Paulo, em termos de políticas públicas e ações da sociedade, o que precisa e pode melhorar para que todos tenham a oportunidade de divulgar e viver de sua arte?

Este é um cenário muito ingrato e injusto, pois não possibilita o acesso de todos. Os que já estão mais consolidados com sua arte, ainda conseguem entrar nos espaços públicos sendo contratados e honestamente pagos por isso, mas essa realidade contempla a poucos, As políticas públicas na área da cultura têm sido cada vez mais escassas e burocráticas, excluindo os que não têm um CNPJ ou que não têm um portfólio recheado. É preciso quebrar essas barreiras para que mais artistas possam participar e viver de sua arte.

A esperança das periferias brasileiras está na arte?

Nossa esperança está na arte e na educação, porque quando temos acesso a estas duas coisas primordiais, nossa saúde também melhora e por consequência, a vida fica mais leve e mais feliz.

Nós da Fundação ABH acreditamos no poder transformador da educação, da arte e da cultura, por isso admiramos e nos inspiramos na iniciativa do Binho e de tantos outros agentes da periferia que se unem e abrem espaço para que novos talentos surjam e tenha a esperança e a oportunidade de construir um futuro melhor!

Juntos podemos transformar!