A Fundação ABH trabalha com uma grande rede de atores sociais da periferia sul da cidade de São Paulo em prol do desenvolvimento comunitário da região e uma de nossas maiores preocupações é o futuro da juventude periférica, um grupo com grande potencial e vontade de transformar o presente para construir o futuro.

Grande parte desse grupo, conhecida como os “nem-nem”, nem trabalham e nem estudam. Isso, somado à falta de oportunidades e de infraestrutura, reduz ainda mais as chances de se desenvolverem e prosperarem em um mercado com oportunidades bastante desiguais e escassas para os jovens periféricos.

Se de um lado a vida dos jovens fica estagnada, do outro o sistema econômico brasileiro se descontrola com os gastos públicos gerados para dar suporte aqueles que não têm ou perderam renda e neste texto trazemos um panorama sobre o impacto dos nem-nem na economia brasileira e o surgimento da geração nem-nem-nem, os que nem trabalham, nem estudam, nem têm acesso à internet.

 

Os jovens que nem trabalham, nem estudam

A pesquisa Juventudes, Educação e Trabalho: Impactos da Pandemia nos Nem-Nem realizada pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social) apontou que a quantidade de jovens nem-nem teve um aumento expressivo em 2020.

O estudo revela que, no primeiro trimestre de 2020, 25,7% das pessoas entre 15 e 29 anos não trabalhavam, nem estudavam. Nos três meses seguintes, esse índice saltou para 29,3%, o maior desde o início da pesquisa em 2012.

Já no terceiro trimestre, o percentual recuou para 27,8% e caiu para 25,5% no final de 2020, resultado ainda assim superior aos 23,6% de jovens nem-nem contabilizados no fim de 2019.

Os dados destacam que as favelas são os locais em que há a maior quantidade de jovens nem-nem. Enquanto nas grandes metrópoles 22% não estudam, nem trabalham, nas comunidades e periferias esse valor sobe para 27,4%.

O levantamento aponta ainda que 31,29% das mulheres que possuem entre 15 e 29 anos não trabalham nem estudam. Além do sexo feminino, as pessoas negras, chefes de família e sem instrução são os mais atingidos pela falta de estudo e emprego no Brasil.

 

A juventude e o desemprego no Brasil

O ano de 2020 abalou as estruturas do país em diversos aspectos e um dos mais alarmantes é o aumento do índice de desemprego entre os jovens de 15 a 29 anos. 

De acordo com o levantamento da FGV, o percentual de desocupados nessa faixa etária chegou a 56,3% no último trimestre de 2020, pouco abaixo do pico de 58,6% registrado entre os meses de abril e setembro de 2020, ou seja, mais da metade dos jovens brasileiros não trabalham.

O desemprego também apresenta dados preocupantes quando se considera toda a massa trabalhadora do país. Segundo dados divulgados no final de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país fechou o segundo trimestre de 2021 com 14,8 milhões de desocupados, cerca de 14,7% da população, e se manteve em patamar recorde em relação ao trimestre anterior. Esse percentual era de 12,6% no mesmo período de 2020.

Com a falta de oportunidades para se profissionalizar e, consequentemente, a dificuldade de se inserir ou voltar ao mercado de trabalho, os jovens brasileiros acabam perdendo renda. Enquanto os brasileiros no contexto geral perderam cerca de 11% de sua renda total, segundo o levantamento da FGV Social quem está na faixa etária de 20 a 24 anos perdeu 18,1%.

Edson Rossi, redator-chefe da ISTOÉ Dinheiro, afirma que ter o jovem afastado do mercado de trabalho gera efeitos catastróficos tanto para a economia quanto para a vida pessoal do potencial trabalhador.

[gdlr_quote align=”center” ]“Cada ano que o jovem demora para entrar no mercado é um ano perdido, e é um ano perdido na formação de renda. Então, é um estrago em cascata, não é só um estrago pessoal, é um estrago no entorno, naquela família. O reflexo disso é que o país como um todo não cresce”, explica Rossi.[/gdlr_quote]

 

A juventude e a educação no Brasil

Apesar dos dados alarmantes em relação ao desemprego no Brasil, a apuração da FGV Social trouxe um dado que surpreende positivamente: o de que houve redução na taxa de evasão escolar em 2020.

O índice chegou a 57,95% entre os jovens de 15 a 29 anos, índice menor que o de 2019, que chegou a 62,2%, mas ainda assim preocupante, principalmente quando observamos que esse percentual chega a 59,97% considerando apenas a população periférica.

A pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus conversou mais de 33 mil jovens sobre os impactos que a doença causou em sua relação com os estudos, além de outros temas, e identificou que 28% dos entrevistados pensaram em deixar a escola e 32% reclamaram da falta de um ambiente tranquilo para estudar em casa.

Além disso, 49% dos jovens ouvidos pelo Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) revelaram que pensaram em desistir do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que abre portas para milhões de estudantes ingressarem em universidades públicas e privadas brasileiras, ou seja, mais jovens sem perspectivas para o próprio futuro.

Edson Rossi explica que cada ano de estudo de um indivíduo tem um impacto duradouro na renda dele por toda a sua vida produtiva, ou seja, a renda média de uma pessoa que estudou 12 anos é maior do que a renda média de quem estudou oito anos, por exemplo, e que isso gera um ciclo negativo tanto pessoal quanto econômico.

[gdlr_quote align=”center” ]“Cada pessoa fora da sala de aula significa uma pessoa com menos formação, e menos formação significa, em última instância, um país com menos produtividade, menos avanços, menos riquezas, ou seja, um país mais pobre”, ressalta Rossi.[/gdlr_quote]

O jornalista faz um alerta para a necessidade da adoção de modelos que levem mais pessoas para o ensino fundamental, médio e superior. Nesse último grau de escolaridade ele destaca o PROUNI e diz que ações desse tipo podem  ajudar a minimizar o número de pessoas fora das escolas.

O PROUNI é um programa social criado em 2004 pelo Ministério da Educação e que possibilita aos jovens de baixa renda acessar a universidade por meio de bolsas de estudo integrais (100%) ou parciais. 

 

A juventude sem acesso à internet

Em meio a um turbulento 2020, a educação brasileira sofreu um grande baque e as autoridades precisaram encontrar soluções às pressas, foi o caso do ensino à distância implantado sem muito planejamento ou estrutura e que esbarrou em um problema enfrentado principalmente pelos alunos de baixa renda: a falta de equipamentos e acesso à internet. 

Segundo o TIC Domicílios, estudo que mede os hábitos dos usuários de internet no Brasil, 25% dos brasileiros não possuem acesso à internet, sendo as classes C, D e E as mais atingidas. Deste modo, surgiram os jovens nem-nem-nem, ou seja, aqueles que nem trabalham, nem estudam, nem têm acesso à internet.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que,  quando se trata de áreas rurais, a taxa de pessoas sem acesso à internet é mais que o dobro que nas cidades, chegando a 53,5%. Já em áreas urbanas o índice é 20,6%.

Deste modo, temos pessoas que não trabalham, nem estudam, tampouco tem acesso a um serviço básico que ajudaria a população brasileira procurar emprego, estudar e prosperar.

Esses e outros aspectos só fazem acentuar as desigualdades que atingem o Brasil, sobretudo as periferias brasileiras. Por isso, o projeto PerifaSul 2050, idealizado pela Fundação ABH com a participação de diversos atores locais, tem a educação como fator transversal de suas ações e inclusão produtiva como um de seus principais pilares. A periferia sul de São Paulo, território onde a Fundação ABH atua, é uma região com grande potencial humano para desenvolver o país e que merece melhores condições para se viver e construir um futuro digno.