A trancista e empreendedora social Evelyn Daisy nasceu na periferia sul de São Paulo, especificamente na região do Capão Redondo. Entretanto, durante sua adolescência, para fugir dos altos índices de violência que atingiam o distrito na década de 1990, foi morar no litoral paulista.
Neste tempo, os caminhos levaram Evelyn para a área da educação, quando fez magistério e passou a ensinar crianças. Durante seu tempo livre, se aventurava na profissão de trancista.
Deste modo, sua relação com a própria estética, sobretudo com o cabelo, numa época em que se apresentar com os fios naturais não era comum, a impulsionou buscar maneiras de melhorar a autoestima de outras pessoas pretas e periféricas.
Assim, dividia-se entre as salas de aula e os salões de beleza da periferia. Com o tempo, deixou a área da educação infantil e o que era um “bico” tornou-se seu principal ofício.
Experiente na estética preta e periférica, Evelyn encarou o desafio com suavidade e, em parceria com outros profissionais do segmento, investiu em uma barbearia própria. O “ganha pão” de todos os dias tornou-se fonte de inspiração e um projeto para além da estética.
Nasce, assim, TrançAmor, uma iniciativa que resgata a autoestima da pessoa preta e periférica, promove aulas de barbearia, tranças e dreads, palestras, terapia com psicólogos profissionais pretos, TrançAmor Cozinha, onde se prepara marmitex de comida orgânica para os moradores da periferia e pessoas em situação de rua, dentre outras ações que visam melhorar a qualidade de vida da população periférica.
Através do TrançAmor – que participa do Edital aTUAção PerifaSul 2020, desenvolvido pela Fundação ABH, Fundação Alphaville, Macambira Sociocultural e Instituto Jatobás – Evelyn Daisy transmite ao próximo sua própria vivência na estética preta e periférica, promovendo conhecimento, identidade e empoderamento para todos.
Conheça mais da jornada de Evelyn Daisy como agente de transformação!
Leia a entrevista na íntegra abaixo
Evelyn me conta um pouco onde você nasceu e como foi a sua juventude?
Eu nasci em São Paulo, na região do Capão Redondo mesmo. Quando eu era adolescente o meu pai quis que a gente saísse de São Paulo, porque era década de 90, era muito perigoso, e eu cresci na praia. Depois eu voltei para São Paulo. Já adulta comecei a trabalhar na área da educação, porque eu fiz magistério, eu era professora, e aos poucos fui me interessando pelas tranças. Então, eu tanto dava aula, quanto trançava cabelo.
E aí teve um momento da minha vida que por vários aspectos, tanto por eu não me enquadrar, quanto por outros aspectos, eu acabei indo para o lado da estética preta e empreendendo na estética preta através das tranças.
Quando você era professora o que te motivava a estar em sala de aula?
Eu gosto muito da educação apesar de eu ter saído, mas eu gostava muito de ensinar e, principalmente, alfabetizar as crianças. Eu gostava de mostrar novas perspectivas para a vidas das crianças, até hoje eu gosto de todas as pessoas, adultos, crianças, mas eu gostava muito de estar em sala de aula, fazer com que a criança aprendesse, ver o resultado da criança aprendendo coisas novas.
Como é que as crianças para quem você dava aula lidavam com a questão estética?
Eu usava o cabelo natural numa época em que muitas pessoas não usavam, 20 anos atrás, e eu já usava tranças também. Então, eu sempre fui aquela professora, entre aspas, exótica, “a professora da trancinha”, “a professora do cabelo colorido”, “a professora do cabelão”. Para as crianças da periferia, porque eu sempre dei aula em periferia e em bairro nobre, era de boa, era bacana, era mais com os adultos e com os pais mesmo, já para as crianças dos bairros nobres e escolas caras para as quais eu dava aula foi mais tenso, não era tão bacana, algumas levavam numa boa, achavam bonito a “‘pro’ do cabelo colorido”, outras não e a mesma coisa com os pais, a dificuldade era mais com os pais mesmo, mas as crianças adoravam.
Como foi seu processo de saída da área da educação para se dedicar ao empreendedorismo no segmento da estética e preto e como as pessoas ao seu redor enxergavam essa atitude?
Enquanto eu dava aula já fazia o que a gente chama de “bico” ou freelancer com as tranças. Eu dava aula durante a semana e no final de semana eu trabalhava em salão fazendo trança. No final do ano, a mesma coisa, eu trançava cabelo e fazia dread. Fiz isso por muitos anos, mas aí teve um momento em que eu quis focar apenas no lado estético da periferia.
Para mim foi bem suave, porque eu já estava inserida, já dominava, já tinha cliente, mas, para as pessoas ao meu redor, deixar de ser professora para ser trancista, uma profissão cujo nome nem existia e nós criamos. Bom, as pessoas não sabem de nada da nossa vida, mas para eles foi difícil de compreender. A galera achou estranho, mas eu já estava inserida. Eu só deixei a profissão em que eu trabalhava mais para escolher um segmento em que eu já estava inserida.
Como nasceu o TrançAmor e quais foram as dificuldades que você enfrentou para o desenvolvimento desse empreendimento?
Para falar a verdade, o TrançAmor começou com o nosso empreendimento, a barbearia. A gente começou a fazer cabelo, aqui nesse mesmo lugar (onde está sendo gravado), só que era chão de barro e não tinha laje, telha, nada. A gente tinha uma cadeira, uma maquininha e uma tesoura. Todos os dias pegávamos (esses materiais), colocávamos para dentro de casa e trazíamos de volta para o quintal e era barro mesmo.
Eu nem sei se é uma questão de (dizer) “ah, a gente correu para conseguir e lutou”. A gente até fez isso, mas, contraímos dívidas e construímos aos poucos, nós mesmos, sem pedreiro, porque (o dinheiro) também não dava. E, depois de um ano de empreendimento, decidimos iniciar o TrançAmor e conseguimos também com a ajuda de outros profissionais do mesmo ramo, barbeiros e trancistas.
Se o TrançAmor existe hoje é porque um número considerável de trancistas e profissionais cabeleireiros ajudaram a gente no início.
Como o TrançAmor atua?
O TrançAmor é um projeto que resgata a autoestima da pessoa preta e periférica. Como a gente faz isso? Através de penteados afro e periféricos, através de aulas, palestras, terapia com psicólogos profissionais também pretos, rodas de conversa, dentre outras ações. O TrançAmor começou assim, com trabalho (focado) na área da estética e autoestima, mas, hoje, a gente faz um trampo na área da saúde mental e de alimentação saudável, com o TrançAmor Cozinha, onde a gente prepara marmitex de comida orgânica, comida sem veneno para a galera da periferia, pessoas em situação de rua e famílias do nosso entorno, da região do Jardim São Luís.
Quais as dificuldades da Evelyn enquanto empreendedora?
A maior dificuldade que eu tenho enquanto empreendedora é ser a pessoa que eu sou. Ser uma mulher preta e gorda é a maior dificuldade que eu tenho enquanto empreendedora.
Qual a maior dificuldade nesse processo de transição capilar, de assumir essa ancestralidade através do cabelo, principalmente para a mulher?
A maior dificuldade que uma mana preta tem em assumir o seu cabelo natural e passar pela transição é a própria mente em relação ao racismo, porque ela vai sair de um molde construído desde pequena, de que ela estaria legal e bacana com aquele cabelo alisado, para entrar num molde que é da natureza dela, mas que não é bem aceito e ela vai, de certa forma, perder algumas coisas por causa daquilo.
No começo, a mana não entende que essas perdas são superficiais, mas, depois que ela consegue se entender e se assumir, consegue também entender a superficialidade do cabelo alisado e os danos de usar um cabelo com química, por exemplo. Então, as dificuldades são as mazelas que o racismo coloca na mente das pessoas.