Em julho de 2024, a Fundação ABH anunciou com entusiasmo o apoio a mais uma iniciativa da periferia sul de São Paulo, o Observatório Ibira 30, criado pelo Bloco do Beco em conjunto com a Fundação Julita, aos quais nos unimos por um mesmo propósito: o desenvolvimento comunitário local.

No artigo de hoje, trazemos um conteúdo aprofundado sobre o trabalho do Observatório Ibira 30, as primeiras pesquisas realizadas pela organização, a importância da produção de conhecimento para o território e como ele se conecta com o fazer da Fundação ABH.

O que é o Observatório Ibira 30?

Antes de tudo, é essencial que compreendamos o que é o Observatório Ibira 30. Trata-se de um Think Thank, uma instituição ou organização que realiza pesquisas e oferece análises que possam influenciar a tomada de decisões por parte de governos, empresas e outras organizações.

O Observatório Ibira 30 se classifica como um Think Thank de periferia, que desenvolve estudos, formação, produção e sistematização de conhecimento e indicadores nas áreas de cultura e economia criativa, educação, assistência social, justiça, saúde e meio ambiente com foco no Jardim Ibirapuera, bairro da zona sul de São Paulo.

O território de atuação do Observatório Ibira 30

Apesar de ter ideias grandiosas que contemplem todo o território e ganhem o mundo, o Observatório Ibira 30 começa sua jornada próspera no Jardim Ibirapuera, distrito do Jd. São Luiz, e essa escolha não foi por acaso.  De acordo com o coordenador do Observatório Ibira 30, Lelo Zarzuela, o Jardim Ibirapuera, na realidade, não é uma escolha, mas um propósito, uma vez que essa iniciativa é feita por moradores desse bairro e o Bloco do Beco, o pai da ideia, também: “A gente faz muita coisa lá no Jardim Ibirapuera como moradores e o observatório é mais uma delas”.

As pesquisas do Observatório Ibira 30

No dia 13 de julho de 2024, o Observatório Ibira 30 se lançou ao mundo num evento que ocorreu no Museu das Favelas, em São Paulo. Durante a confraternização, a iniciativa apresentou as suas primeiras pesquisas: “Hábitos Culturais dos moradores do Jd. Ibirapuera”, “Profissionais da Educação do Jd. Ibirapuera: uma escuta qualificada” e “Economia Criativa e Carnaval de Rua – M’Boi Mirim . Zona Sul . SP”, todas realizadas com o apoio da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas.

Hábitos Culturais dos moradores do Jd. Ibirapuera

Para se aprofundar nos “Hábitos Culturais dos moradores do Jd. Ibirapuera”, o Observatório Ibira 30 ouviu 382 moradores do território a fim de estabelecer um panorama sobre os hábitos culturais de quem vive lá, a partir de três tendências fundamentais:

Interesses Culturais: ferramenta crucial para entender como nossos moradores valorizam diferentes aspectos da cultura. Este processo envolve a identificação e análise das preferências culturais, práticas, tradições, e até mesmo consumo de produtos culturais dentro da comunidade;

Importância da Cultura: ferramenta para entender o funcionamento da cultura enquanto um terreno comum onde moradores podem se encontrar, interagir e compartilhar experiências. Nossas práticas culturais não são apenas expressões artísticas, mas também eventos sociais que fomentam a unidade e o apoio mútuo entre os membros de nossa comunidade. Através dessas atividades, moradores não apenas expressam suas emoções e histórias, mas também constroem relações duradouras e suporte social.

Acesso à Cultura: ferramenta para entender a equidade e a inclusão cultural. Este processo envolve a análise de como os recursos culturais são distribuídos, acessados e utilizados pelos moradores de nossa comunidade, identificando barreiras e oportunidades para uma participação mais ampla e significativa.

O levantamento identificou que, quando não estão estudando, trabalhando ou realizando atividades domésticas, os moradores do território (28%) priorizam o descanso em seu momento de lazer, um número seis vezes maior do que a amostra do Estado de SP (6%). Acredita-se que essa diferença se dá, possivelmente, por conta da maior carga de trabalho físico e estresse enfrentada por seus moradores.

Os moradores do Jd. Ibirapuera que preferem realizar atividades físicas e culturais representam 8% e 5%, respectivamente, uma diferença gritante em comparação aos 22% e 25%, respectivamente do Estado de SP. 

Além disso, a tecnologia tem um espaço relevante tanto no Jd. Ibirapuera, no Estado de São Paulo, onde, respectivamente, 22% e 30% das pessoas escolhem o entretenimento visual, como televisão, cinema, videogames, celular e outros para preencher seu momento de lazer.

O estudo aponta que esses resultados na questão do entretenimento visual provavelmente são reflexo da falta de opções de espaços e equipamentos de lazer no território, o que faz com que a população mergulhe nas possibilidades oferecidas pelas tecnologias.

E essa só foi a primeira parte do processo. No segundo semestre deste ano, o Observatório Ibira 30 planeja ainda estruturar portfólio de atividades culturais baseado nos interesses mapeados no levantamento, fazer visitas regulares às famílias do Jd. Ibirapuera, oferecendo oportunidades de participar de ações culturais dentro do território e no entorno e, posteriormente, documentar os aspectos relacionados aos hábitos culturais a partir dessa oferta.

Profissionais da Educação do Jd. Ibirapuera: uma escuta qualificada

Também no primeiro semestre deste ano, o Observatório Ibira 30 debruçou sobre o estudo “Profissionais da Educação do Jd. Ibirapuera: uma escuta qualificada”, que ouviu 220 pessoas, através de imersões intensivas, que objetivavam compreender as aspirações, necessidades e desafios dos moradores e trabalhadores do território, resultando em conjunto de dados sobre profissionais da educação das escolas do bairro e do entorno que atendem quem vive no bairro.

A equipe de pesquisa traçou o perfil dos profissionais de educação do Jd. Ibirapuera, a relação dos mesmos com as unidades escolares, os desafios enfrentados neste contexto e as boas práticas que potencializam o sistema educacional da região.

Dentre as dificuldades apontadas pelos entrevistados para exercer suas atividades na escola, a principal foi a falta de reconhecimento e valorização profissional (55,4%). Outros pontos que aparecem na mesma lista são: questões de disciplina e comportamento dos alunos (48,9%), envolvimento insuficiente da família (46,3%), sobrecarga de trabalho (35,1%) e falta de envolvimento de outros órgãos governamentais [saúde, assistência social, segurança, etc] (29,4%).

Os profissionais indicaram ainda outros desafios enfrentados nesse processo, por exemplo: falta de recursos financeiros (23,4%), pressão para atingir metas e padrões acadêmicos (22,5%), falta de envolvimento da comunidade escolar (20,8%), insuficiência de material didático (19,9%), condições inadequadas de infraestrutura (17,3%), desafios no uso de tecnologia na sala de aula (16%), falta de tempo para planejamento e preparação de aulas (11,7%), diretrizes e orientações insuficientes da Secretaria de Educação (10,4%), barreiras de comunicação entre professores e alunos (8,2%) e diretrizes e orientações insuficientes das Diretorias de Ensino (7,8%).

Com base nessa avaliação inicial, a equipe do Observatório Ibira 30 destacou como pontos cruciais a serem trabalho em curto, médio e longo prazo: a aprovação e apoio às iniciativas de pesquisa e projetos educativos por parte dos profissionais de educação; a abordagem inclusiva e adaptada às necessidades específicas dos profissionais e alunos; a relevância de disciplinas como história e arte, que indica a necessidade de uma educação que estimule o pensamento crítico dos alunos e que também aborda a diversidade e o respeito; demandas de saúde mental articuladas à educação, a questão salarial e valorização dos profissionais de educação.

Economia Criativa e Carnaval de Rua – M’Boi Mirim – Zona Sul – SP

O Observatório Ibira 30 ouviu 11 blocos carnavalescos da zona sul da cidade de São Paulo, 326 foliões e 33 comerciantes da região a fim de destacar o potencial de inclusão produtiva da produção artística e criativa do carnaval de rua periférico com o objetivo de produzir conhecimento que facilite a criação de políticas públicas para economia criativa das Periferias.

Com investigações baseadas na autorreflexão coletiva e observação participativa, empreendida pelos blocos de carnaval e pesquisadores, o Observatório Ibira 30 se debruçou sobre quatro aspectos fundamentais: 

Caráter participativo: Que começa com os 11 blocos elegendo um membro da equipe como seu representante nas etapas de coleta que inclui: o mapeamento institucional dos blocos e sua relação com a economia criativa (recorte pré-carnaval); Mapeamento das características e preferências do público presente no carnaval de rua de M’Boi Mirim em 2023; mapeamento do Impacto financeiro do carnaval de rua e o mapeamento dos blocos e sua relação com a economia criativa (recorte pós-carnaval);


Impulso democrático:
Nessa etapa, todas as decisões, caminhos e objetivos desse processo foram debatidos junto a seus representantes no Fórum dos Blocos de Rua de M’Boi Mirim de modo a garantir a transparência e o controle de finalidade de cada ação, que resultaram em conteúdos disponibilizados gratuitamente no site: www.blocosderuamboi.org.br.

Contribuição à mudança social: Nessa fase, o grupo se concentrou em chamar a atenção do poder público e demais organizações envolvidas com políticas de produção e acesso à cultura para rever suas políticas e investimentos, dada sua relevância comunitária, política, social e econômica.

 
Qualidade da informação: Aqui, a equipe discorreu sobre os métodos e recursos tecnológicos, como tablets, utilizados para investigar os blocos, foliões e comerciantes da zona sul de São Paulo a fim de garantir a confiabilidade das amostras de pesquisa e os seus resultados.

O levantamento traçou o perfil dos blocos, desde sua localidade, renda, patrocínio, apoio e impacto socioeconômico no território. Neste aspecto, os dados apontaram que as organizações ocuparam não só um lugar de entretenimento na região, mas também de solidariedade. Isso porque, 90% deles realizaram ações sociais durante a pandemia e seguem ativas em apoiar o desenvolvimento da região e de seus habitantes. 

Além disso, os ambulantes destacaram o impacto da realização dos blocos carnavalescos em seus negócios. 100% dos entrevistados afirmaram que o evento impactou diretamente as suas vendas. Eles que, em média, costumam faturar R$180 por dia, viram triplicar esse número durante as festividades, resultando em um aumento médio de 325% nas vendas.  

Já os comerciantes, que faturam cerca de R$830 em dias comuns, dobraram seus lucros em dia de desfiles, resultando em um aumento médio de 206% nas vendas, mas apenas 60% dos entrevistados apontaram um impacto positivo em seus ganhos durante o evento.

Com os dados apurados até aqui, o Observatório Ibira 30 sugeriu algumas recomendações que podem ampliar o carnaval de rua do M’Boi Mirim e potencializar ainda mais o desenvolvimento e a economia local.

Dobrar o investimento anual por bloco; criar linhas de fomento específicas para a cadeia produtiva dos blocos de carnaval de rua do Estado de São Paulo e dar continuidade a esta pesquisa para apurar quanto o Carnaval de Rua do M’ Boi Mirim retorna para a cidade a partir da perspectiva tributária; ampliar o investimento mínimo anual de R$ 157 mil por bloco e, a longo prazo, subir esse benefício para R$ 509 mil.

As próximas pesquisas do Observatório Ibira 30

Lelo Zarzuelo, coordenador do  Observatório Ibira 30, adiantou para nós da Fundação ABH quais são os temas das próximas pesquisas da iniciativa:

• Hábitos alimentares de crianças e jovens do Jd. Ibirapuera;
Impactos sociais e econômicos das atividades relacionadas ao maracatu no Jd. Ibirapuera;

• Cuidadoras do Jardim Ibirapuera: uma escuta qualificada de profissionais de saúde, assistência, educação e cultura (olhar para saúde mental);

• Impactos do acesso precoce de telas de uso recreativo nos hábitos culturais e educacionais de crianças e adolescentes do Jd. Ibirapuera;

• Orçamento da cultura e investimento social privado na periferia: um olhar estratégico para a Lei Rouanet.

A importância das pesquisas e o apoio da Fundação ABH

A produção de pesquisas trouxe grandes conquistas para o mundo em diversas áreas, dentre elas o desenvolvimento dos territórios em que vivemos, através da captação de informações essenciais que possibilitam a identificação de problemas e oportunidades específicas de uma região, contribui para a formulação de políticas públicas mais eficazes e tomadas de decisão mais assertivas. A seguir, destacamos alguns pontos:

  1. Conhecimento Localizado: Pesquisas permitem compreender as particularidades socioeconômicas, ambientais e culturais de um território, ajudando a adaptar estratégias de desenvolvimento às necessidades específicas da comunidade local.
  2. Tomada de Decisão Baseada em Evidências: Com base em dados concretos, gestores e líderes podem tomar decisões mais acertadas, alocando recursos de forma mais eficiente e direcionada.
  3. Inovação e Competitividade: A pesquisa incentiva a inovação ao identificar novas oportunidades de negócio, desenvolvimento tecnológico e aprimoramento de práticas existentes, o que pode aumentar a competitividade do território.
  4. Sustentabilidade: Pesquisas sobre o meio ambiente, por exemplo, ajudam a desenvolver práticas sustentáveis que protegem os recursos naturais, garantindo que o desenvolvimento do território seja equilibrado e duradouro.
  5. Participação Social: A pesquisa pode também fomentar a participação cidadã, ao envolver a comunidade no processo de coleta de dados e na elaboração de soluções, fortalecendo o senso de pertencimento e responsabilidade coletiva.
  6. Monitoramento e Avaliação: A produção de pesquisas permite o monitoramento contínuo das iniciativas e a avaliação dos seus impactos, possibilitando ajustes e melhorias contínuas nas políticas e projetos.

A presidente do Bloco do Beco, Carla Arailda, destaca ainda que o grande diferencial do Observatório Ibira 30 é realizar os estudos não se concentrando apenas nos resultados quantitativos e qualitativos, mas, ir além e pensar em quais ações e projetos podem ser desenvolvidos no Jardim Ibirapuera a partir deles.

“A ideia de um observatório e estas pesquisas não foram pensados apenas para coletar dados e produzir análises frias de números e depoimentos. Para nós, enquanto organização social da periferia de São Paulo que há mais de 20 anos luta pela garantia de acesso à cultura enquanto direito fundamental, representam um marco para nos reconhecermos enquanto comunidade, fortalecendo nossos laços e compreendendo melhor os desafios e necessidades que enfrentamos no dia a dia”, declarou a agente cultural. 

Para o futuro, Carla Arailda sonha com a criação de uma rede de observatórios que abranja e se aprofunde no potencial dos diversos outros territórios da cidade, do estado e até do país. Ela defende ainda a produção de conhecimento e ressalta a importância das parcerias nesse processo.

“A ideia de produzir conhecimento em forma de pesquisa, em parceria com as universidades e outras organizações, representa a sistematização e um novo passo de uma atividade comunitária que valorizo desde o início do Bloco do Beco e que sou uma das grandes incentivadoras: a escuta qualificada da nossa comunidade. Neste sentido, o Bloco do Beco sempre valorizou e construiu parcerias muito sólidas para contribuir neste processo. Sabemos que não fazemos nada sozinhos e ter pessoas e instituições com disposição para financiar mas, mais do que tudo, para trocarmos e aprendermos juntos é o que faz o sucesso deste tipo de iniciativa”, concluiu a presidenta do Bloco do Beco.

A Fundação ABH também acredita, defende e fomenta a produção de conhecimento como peça fundamental para o desenvolvimento da periferia sul de São Paulo, por isso, em mais uma etapa de nossa jornada, decidimos somar esforços com o Observatório Ibira 30 e seus outros apoiadores a fim de ajudá-los a manter e a expandir uma parte da equipe da iniciativa, que vai se dedicar às novas pesquisas que estão por vir no segundo semestre deste ano.

Gostou do artigo de hoje e quer contribuir para o desenvolvimento da periferia sul de São Paulo? Então, fique ligado nos nossos canais de comunicação para saber tudo sobre os próximos projetos do Observatório Ibira 30 e das demais iniciativas apoiadas pela Fundação ABH.

Vem com a gente ampliar essa rede e gerar ainda mais impacto na periferia sul de São Paulo!

Ah, e se você tem uma iniciativa na periferia sul de São Paulo que trabalha para melhorar essas e outras questões da comunidade, faça seu cadastro no Mapa PerifaSul 2050! Vamos juntos mostrar para todos a potência que a periferia sul tem!

  1. 2024.07. OI30 . Hábitos Culturais 2024.pdf. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1wKtjA7YL293KdAfB6r-nDntFYonPfCPf/view>. Acesso em: 21 ago. 2024.
  2. 2024.07. OI30 . Profissionais da Educação – Uma Escuta Qualificada 2024.pdf. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1te_8Ul_xojHGGbM5v8tGdSOjcaCt0xtP/view>. Acesso em: 26 ago. 2024.
  3. 2023.07 . OI30 . Economia Criativa e Carnaval.pdf. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1784vAyn2F6vNfxZqn9ufdeYOvHkJltaK/view>. Acesso em: 26 ago. 2024.